-Pulok Pattanayak
I
Cantá-la-ei na lua undécima, nocturna, suprema,
evaporando ininterruptamente os seixos nocturnos.Pela sua boca, canto iluminuras, pérolas, guitarras solares.No odor a cedros, anuncio os seus dedos frágeis, a sua infinitude;— cabelos flutuando, boca dançarina,os botões da Primavera lembrando a “Kreutzer” (Sonata n.º 9 de Beethoven), “staccato”, violino e piano, limite puro— a beleza eclodindo em seus gestos,discursiva, épica, derramando flores.Proclamá-la-ei em seu domínio leve,
numa paleta de cores, entre violino e donzela:um tempo para cantar a sua brancura, ecos da sua harmonia — odes de água e silêncio. Amo-a fundamentalmente,
reproduzindo o seu toque, a sua música, as palavras e o amor (prelúdio de uma fuga). Amo-a nas tempestades de areia, numa dança de fogo.
Ela, violinista, princesa das águas, alumia a plenitude indecifrada;eu, poeta que canta o cobalto e as marés,transcrevo a madrugadapara ela, cisne branco, Nereide do silêncio.
Na sua boca converge o sândalo,
como se fosse o espelho do mar e a flor eterna do instante.Relógios amolecidos ditarão o absoluto,
desvendando a lua incompleta, novíssima, a noite dual.Beijá-la-ei na ondulação do trigo (a água e os frutos resplandecendo).Escreverei o tempo novo,
desenharei, nos seus cabelos, pássaros negros.Dir-lhe-ei os corais, o universo azul, todas as distâncias abolidas,estrelas marinhas e líquenes.Segredar-lhe-ei toda a alquimia, perfumesvoláteis;o lume do olhar iluminando o seu rosto velado.Amo essa mulher, os seus olhos opulentos, elegíacos;
nas suas mãos, perfumes de água, numa janela veneziana, ela ¾ a própria noite.Amanhece a sua carne e o seu silêncio.
Adivinho-a em cada pétala, como se encontrasse o seu nome em cada aroma,(permanece intacto o seu enigma, a sua boca).Amo a sua delicadeza, a púrpura que incendeia as coisas.
Beijo o seu olhar; escrevo-a na penumbra das aves, celebrando a sua música secreta¾ o idílio de Siegfried e Brünnhilde ¾, violetas submarinas. Inumeráveis os cantos, os dedos, fragilmente.
O seu nome é tâmara, um nome que não se conhece;um nome imperecível, coroado de diademas azuis.Contemplo-a, no seu idioma secreto, na estrutura do amanhecer(sei que o amor é primordial e antigo). Cada tempo tem a sua coloração,
numa aprendizagem, nestas cidades,irrompendo as fronteiras.Falo a linguagem do mundo, densa e alquímica.
Nesses universos cósmicos, sou múltiplo e diverso.Não espalho o meu amor cantante.
— Amo-a secretamente.
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[ 1.] Publicado na colectânea “Afectos – amor”, Labirinto, Fafe, 2008 (1.º parte); “100 poemas para Albano Martins”, coordenação de MARIA DO SAMEIRO BARROSO, Labirinto, Fafe, 2012, pg. 70 (segunda parte); “Antologia de Poesia Contemporânea. Entre o sono e o sonho”, volume III, selecção e organização de Gonçalo Nuno Martins, Chiado Editora, Lisboa, 2012, pgs. 222-225 (4.ª parte). Em curso de publicação completa, in Revista “Foro das Letras”, da Associação Portuguesa de Escritores Juristas, Lisboa, 2012.
II
Abrem-se sobre ela janelas,
cabelos negros, macios de escuridão.Procuro as suas faces opulentas, as suas pálpebras vivas
que derramam poesia.Amo-a, arcaica, branca,
entre granitos, lírios silvestres, catedrais de luminosidade.Amo-a primordialmente, temperada, morena. Como desejaria a sua doçura, o seu rosto, completamente;
beijá-la, ainda que efemeramente, num minuto da sua luz.Procuro o seu rosto na multidão;
a tudo ela se assemelha. Quero vê-la, protuberante, nítida, perfumada,intacta, sublime, móvel.Algures, fito o seu ágil andar, suaves acentos e aprumos;
ela, escultura da manhã; o seu centro suave de silhueta leve.Desvairado, inebriado me arrebato, “amens amensque”.Um pedaço de mim mesmo desfalece,decreta o estado de sítio (o coração em desordem). Finalmente vejo a sua estrela na bruma,
— cabelos negros,
junto à boca.
III
“Never seek to tell thy love,
Love that never told can be”
William Blake
Não posso inebriar-me por tanta beleza.Se os meus olhos não tivessem vislumbrado o teu esplendor,
teria amado a solidão, esse destino inerte. Não mo permitiram os deuses.Nenhum oásis olvida a tua presença;
a incandescência dos olhos impede-me de extinguir a fonte originária da minha inquietude.Mulher de água, de plenitude inesperada, como desejaria beijar, longa, perene e delicadamente, teus cabelos singularíssimos, compactos, homogéneos.(Há tanta coisa que não conheço).Beijar teus cabelos seria morrer na harmonia da tua luz.Meus olhos amam-te inexoravelmente,
nas tuas ancas azuis dos teus jardins vedados.Ao longe, morrem de amor os ramos, pelo caminho transtornado da tua delicadeza.Debalde peço a esses ramos:— Ide dizer-lhe quanto a amo.Quão longe poderia eu assim amar-te.
Diria a razão, o número das tuas pétalas.
Escrevo os caminhos eternos. Sou o silêncio e a voz.Oculto-me — sou secreto.Via-te, aprumada e glamorosa, no pólo oposto, junto aos apanhadores de borboletas(Concerto para violino de Brahms, Opus 77). As margens do caminho eram invadidas por palmeiras interiores.E em pleno nada o tempo não se expandia — a essência sempre parca de neve e rosa.De vez em quando, comia rebuçados de papel (a sua prata era viva).Os violinos fragmentados eram as sombras dissolvidas,cimitarras bárbaras, num êxtase asfixiante.Queria revolucionar a estática imagem, a perenidade dos lábios.Só me coube a estrutura espelhada do verso ¾o nó que constrói silêncios.
IV
“roubaste-me o coração
Tu vieste com beleza e harpas, nocturna e soberana
Música e essência, tu surges sempre com vinho e harpas;
Devo assinalar-te nesses cálices de doçura:
Ouves a canção das borboletas? É a tua face.
Contigo trazes a flor e o trigo, no esplendor da tua voz.
Vejo-te em todos os vislumbres da perfeição.
És omnipresente;
Celebro-te, inaugural, nas flores da simbiose.
— A tua carne é a carne do poema.
O tempo abre-se para nós, nas nossas mãos.
A tua voz é o oásis de mim, a luz e o fruto
Renasces em mim perenemente.
Feita da matéria nocturna e da matéria delicada,
Adquires o corpo, as suas núpcias,
Tal como o éter é rasgado pela tempestade
A felicidade és tu;
E os teus olhos são pétalas que se abrem, como borboletas azuis.
Oh, amada pérola, quão estimada és para mim!
Em ti, a chama.
Em mim, a morte e a alegria.
Ivo Miguel Barroso,
Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa