28 fevereiro, 2010

Natura arsque*

-Poesia em Fuga


O ser, caligrafia incerta.
O poema é um acto novo, inicialmente indefinido,
mergulhado nos violinos de água, nos augúrios da descoberta,
precipitando o nada, o desconhecido;
a trípode, o bálsamo, o desconcerto, a anémona;
a noite da noite; um som terrível;
o cânone abrindo a luz secreta da solidão,
o murmúrio indivisível imortalizando o nome.

Um sabor que começa a nascer.
Vejo o ser, caligrafia incerta, torres de alabastro.
Um poema - a única forma de conhecer o tempo,
a ordem criadora, a latitude boreal, os cometas da metamorfose,
lunações no céu nocturno; um único ponto de luz.
Uma razão, um fundamento.
O fulgor imediato para descobrir a escuridão,
o lado-morte por vezes, um barco para o Hades
- uma vela de mim.

Procuro, entre a palavra e o metal, a pedra e o silêncio,
o gérmen da claridade,
nessas águas iniciáticas, lugares onde as árvores amadurecem,
onde as folhas se propagam,
onde as cigarras gemem, exuberantes, fascinadas pela forma da substância.
A noite - vivo fragmento na dança das casas, borboletas voltejando;
os tempos, os lugares.
“Natura arsque”.
Nesses momentos, invoco Atena, a fonte de Hipocrene, leitos de água.

Novelos de prata, vida infinita;
formei a minha alma de intérprete dos pássaros e dos sonhos
(folhas orvalhadas, mistério oculto).
Canto essas paredes incólumes à destruição
e canto a teoria das coisas, a mobilidade apoteótica das raízes.

Canto a pureza, esse canto azul,
sob o sol dinâmico de um grito originário,
num poema que é um verso de água,
.....................múltipla
..............................e
..............................criadora.


Ivo Miguel Barroso

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* Publicado na revista “Inventio”, n.º 10, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999.

21 fevereiro, 2010

12 fevereiro, 2010

FOTOPOEMA

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*Maria Azenha, in «de amor ardem os bosques», Janeiro 2010, p.79.

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06 fevereiro, 2010

Ríos que pasan siempre cambiantes





(Para Raúl Gálvez Cuéllar)



Ríos que pasan siempre cambiantes
Tienen la memoria del tiempo
Ellos pasan solamente
Sus caras van lavadas al sol
Siempre en oro y en grana

Ríos que pasan siempre cambiantes
Dejan su memoria en los pueblos
Son nobles pero otros siempre son
Ellos construyen, ellos destruyen
Imperecederas son sus huellas

Ríos que pasan siempre cambiantes
Son cristalinos, osados y rumurosos
En el impulso vital de sus cauces
Tienen la memoria de mil pueblos

Ríos que pasan siempre cambiantes
Llevan el color mismo de la vida
La vida es el tiempo que se abre en flor
Ella es nube, es lluvia y es trueno
Líquido que es sangre del corazón
que hacia la mar camina perdurable.



José Pablo Quevedo




05 fevereiro, 2010

Caso Pluvioso

A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que maria é que chovia.

A chuva era maria. E cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.

Eu era todo barro, sem verdura...
maria, chuvosíssima criatura!

Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono, e o resto.

Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa...Nossa!

Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.

Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia em vão - pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.

E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.

Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!

Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo,
poças dágua gelada ia tecendo.

Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.

E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de maria mais chuvavam,

de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,

e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.

Os seres mais estranhos se juntando
na mesma aquosa pasta iam clamando

contra essa chuva estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).

Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliram,

e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.

Os navios soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,

e maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,

e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, maria! - e ela parou.


Carlos Drummond de Andrade



Obs.: Este poema, dito por Paulo Autran, pode ser ouvido no YouTube, clicando AQUI