29 janeiro, 2010

"DE AMOR ARDEM OS BOSQUES" - novo livro de MARIA AZENHA








A nova obra poética «De Amor Ardem os Bosques» tem nascimento previsto para o final de Janeiro de 2010. A tiragem é de 250 exemplares, dos quais 50 são numerados e assinados pela autora.


As reservas da obra podem ser feitas através do email:



maria.azenha@gmail.com





Edição limitada







24 janeiro, 2010

Tudo guardei




Tudo guardei
do que me deram as brancas aves
das primeiras horas.

O cheiro do mosto magoado
o suor chegando
do grande segredo da noite
os corpos bêbados de silêncio

o sussurro das casas
sobre as árvores
o milho das águas
nas obscuras arcas

e húmidas as palavras
-tantas que me cresciam:

avô estrela casa
barco rio mar
terra tantas vezes terra
mulher mulher mulher

-todas guardei com amor tanto
que não posso já senão perdê-las.




Henrique Dória





21 janeiro, 2010

estamos sós com aquilo que amamos




.
.
.................................................................................... -ao Augusto Mota


é o vigésimo segundo dia do mês de Janeiro
”esse ponto exacto à volta do qual tudo oscila
testemunha do balanço entre a noite de um inverno exterior e
a aurora de uma primavera interior”
é vigésimo segundo dia do mês de Janeiro
o rito
a celebração da arte na Arte
sabemo.nos presos a um corpo
à matéria e
recusamos aceitar ser esse o local da nossa morte
um corpo nada mais é do que um fim que
se elabora num erro
só podemos aspirar aos objectos que
tenham o estatuto de pensamento mas
também neste caso
os objectos tornam.se insuportáveis
na medida em que o corpo
como objecto criador do pensamento
também é insuportável
é esta deficiência técnica que
para os cépticos como eu
faz surgir a estranheza e o medo da morte
tudo isto é um erro
primeiro por
que na dicotomia objecto /corpo
objecto/pensamento
há uma verdade insofismável
cada um ao nascer transporta em si um cadáver
segundo por
que há que aprender os limites da ideia
há que saber os limites da linguagem
há que saber ser nos limites
da linguagem e da matéria
calcular a distância
entre a matéria e o pensamento
entre a nossa vontade perceptiva e
o estado real do objecto por
que a mesma pode resultar da fuga do objecto
este deixa de ser para querer ser
os objectos podem deixar de existir
para existir a esperança do objecto que
especifica a fuga e a ausência e
esta é a forma de consciencializar uma afeição mas
a falta do objecto nunca nos faz aproximar dele por
que o que amamos é a ausência
a deslocação
a esperança do objecto
”estamos sós com aquilo que amamos”
-escreveu Friedrich Novalis
julgo imperioso cultivar o espaço bruto se
quisermos escrever o poema
deambulamos num espaço vazio que
fica entre corpos e ideias
nomes e/ou objectos
como preencher esse vazio?

um Poeta
sobe as montanhas da Palavra e aí
entre o dia e a noite
julga.se um fugitivo
sem saber que nunca sai do mesmo lugar
deseja ser um grito e ter asas de ouro
mergulha a fronte suave nas mãos geladas e
deixa o corpo cair
sonha
procura na terra negra uma flor azul
sabe da escuridão e do frio que
enchem o vazio e
então só
então
cumpre.se na Ausência


-cesare dandini

gabriela rocha martins

19 janeiro, 2010

16 janeiro, 2010

Colher o tempo




Sítios de onde olhei estrelas
e foram tantos se os lembrasse –
meridianos da minha vida
um mapa o fio
de Ariane
à primeira das terríveis alegrias.

Desta falésia quantas vezes
barca branca apontada ao sul
estrelas que convocámos
e na proa o braço erguido -
claridade
de um deus gentil meu irmão.

Que é voltar?
Verões foram, arderam
estrelas em mar e céu
extraviou-se a via láctea
e o deus partiu.
Como se nunca houvera existido.

Apelo silente dos fundos do mar
longas plácidas ondas, fosforescências
da vida breve.
Colho o vento o tempo o riso
agudo
de outras crianças pequenas lanças de alegria.




Soledade Santos




05 janeiro, 2010

isto é um poema sério





Vem pela noite um bandido
com uma mão cheia de cinzas
para nos cegar.
eu disse.

O rapaz cheio de saúde
perde o trabalho,
sai de casa, fica ao frio da rua,
torna-se um sem - abrigo.
eu disse.

Vem o velho Adolfo
conhecedor de escravos
mete-os em muitos lugares da terra;
Vem a este tempo para blasfemar.
eu disse.

Gravo no teu coração esta página de pedra.

Se ninguém cantar
enquanto dura tudo isto,
conhecemos a razão,
a água não lavará mais as nossas mãos.

Entre as coisas que sobreviverem
restarão as nuvens, os glaciares em degelo,
que dirão de sua justiça.

eu disse.



maria azenha


03 janeiro, 2010






a única vez que a vi ela fazia renda no metro, entre anjos
e alameda, e nem por um minuto deixava de contar as laçadas
as voltas da linha na agulha. e assim passam os anos e esquecemos
as pequenas combustões, a razão de termos dado um início
ou de querermos encontrar os fins e a irregularidade nas coisas.
havia sempre o engenho de um gesto novo assim que parava
a meio, a confirmar a proximidade do seu destino ou quando
no contrário da peça, e verificava-a com atenção, examinava
o esforço: - dez minutos e tivesse eu ainda tempo. a tristeza
a exceder o número de vezes prevista e mais uma vez a reconstrução
de um mundo e há quem diga que sim que as noites são alteráveis
quando descem com habilidade ao coração das mulheres.


Susana Miguel



recurso sinalético








o travessão é o justo limite .acima movimentam.se quase todos os caracteres legíveis .abaixo os ilegíveis .como não percepciono a diferença entre uns e outros tento no encontro com o hífen perceber o justo papel do traço .perante a sua indiferença às contraditórias chefias ouso recorrer ao ponto final que de pronto me envia para o parágrafo seguinte .recorro à vírgula que não me passa cartão algum preocupada com o chá das cinco acordado com as amigas reticências e para o qual já se encontra atrasada .toco à porta do ponto e vírgula e apercebo.me da inconveniência do momento razão porque tento chegar à fala com os dois pontos que de imediato e antes que algo diga me apresentam uma petição a favor do referendo ao casamento homossexual .resisto ainda à tentação de interromper uma final de campeonato de basquetebol entre os pontos de exclamação e ante a resistência dos pontos de interrogação a braços com um processo de corrupção ao mais alto nível desisto do recurso sinalético e bato em retirada

indiferente à norma







-jeff faust.
gabriela rocha martins ,in Andarilhos & Vagamundos