20 maio, 2010

fim de um ciclo, princípio de outro

Este blogue cumpriu o seu mister ... o rio ,transbordante ,percorreu margens ,inundou-as de belíssimos poemas ,exercícios vários ,textos muito bons ,felicíssimas experiências com imagens e narrativass ,mas.....ao atingir a foz ....CUMPRIU-SE
não seria ,porém ,justo que estas margens deixassem de ser alimentadas
,por isso ,outros leitos ,igualmente navegáveis abrem.se aos mareantes
,basta seguir este novo link


onde vos aguardamos.

17 abril, 2010

A FLOR DA NOITE


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a flor da noite

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Poema de António Simões, Abril de 2010

Túlipa negra / foto e montagem: Augusto Mota

ASAS

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ASAS
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Torquato da Luz / Acrílico sobre tela, 2010
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Rio parado no meio de nada,
já foste estrada
para o mar largo e distante.
Hoje és apenas o espelho
de um tempo cansado e velho
e já não há quem te cante.
*
A mim, que vivo na margem
aguardando viagem
sem ter como navegar,
só me resta, rio amigo,
não me prender mais contigo,
ganhar asas e voar.
*
Torquato da Luz

15 abril, 2010

TEXTO TRANSVERSAL


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textos transversais 90

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canto do outro lado da lua


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Photobucket

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Poema de António Simões, Abril de 2010

Túlipa negra / foto e montagem: Augusto Mota

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18 março, 2010

07 março, 2010

A taça das tuas mãos

*Photobucket
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A taça das tuas mãos




traz-me numa taça
a água fresca do dia,
quando o vento se liquefaz
sob o meu olhar atento,
e o meu corpo é menos carne do que vento
porque minha alma lá dentro não cabia,
excessiva, enorme.


Vá, toca-me ao de leve com tuas mãos
para que a tarde sobre mim se entorne.



António Simões

foto recuperada in : « A linguagem das flores » , editado por Sheila Pickles - Melhoramentos
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Photobucket


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« de amor ardem os bosques » - Maria Azenha - Poesia






aqui

05 março, 2010

Universo azul (flores da simbiose)[1]





-Pulok Pattanayak




I



Cantá-la-ei na lua undécima, nocturna, suprema,
evaporando ininterruptamente os seixos nocturnos.
Pela sua boca, canto iluminuras, pérolas, guitarras solares.
No odor a cedros, anuncio os seus dedos frágeis,
a sua infinitude;
— cabelos flutuando, boca dançarina,
os botões da Primavera lembrando a “Kreutzer
(Sonata n.º 9 de Beethoven), “staccato”, violino e piano, limite puro
— a beleza eclodindo em seus gestos,
discursiva, épica, derramando flores.

Proclamá-la-ei em seu domínio leve,
numa paleta de cores, entre violino e donzela:
um tempo para cantar a sua brancura, ecos da sua harmonia
— odes de água e silêncio.

Amo-a fundamentalmente,
reproduzindo o seu toque, a sua música,
as palavras e o amor (prelúdio de uma fuga).

Amo-a nas tempestades de areia, numa dança de fogo.
Ela, violinista, princesa das águas, alumia a plenitude indecifrada;
eu, poeta que canta o cobalto e as marés,
transcrevo a madrugada
para ela, cisne branco, Nereide do silêncio.

Na sua boca converge o sândalo,
como se fosse o espelho do mar e a flor eterna do instante.

Relógios amolecidos ditarão o absoluto,
desvendando a lua incompleta, novíssima, a noite dual.
Beijá-la-ei na ondulação do trigo (a água e os frutos resplandecendo).

Escreverei o tempo novo,
desenharei, nos seus cabelos, pássaros negros.
Dir-lhe-ei os corais, o universo azul, todas as distâncias abolidas,
estrelas marinhas e líquenes.
Segredar-lhe-ei toda a alquimia, perfumes voláteis;
o lume do olhar iluminando o seu rosto velado.

Amo essa mulher, os seus olhos opulentos, elegíacos;
nas suas mãos, perfumes de água,
numa janela veneziana, ela ¾ a própria noite.

Amanhece a sua carne e o seu silêncio.
Adivinho-a em cada pétala,
como se encontrasse o seu nome em cada aroma,
(permanece intacto o seu enigma, a sua boca).

Amo a sua delicadeza, a púrpura que incendeia as coisas.
Beijo o seu olhar;
escrevo-a na penumbra das aves, celebrando a sua música secreta
¾ o idílio de Siegfried e Brünnhilde ¾,
violetas submarinas.

Inumeráveis os cantos, os dedos, fragilmente.
O seu nome é tâmara, um nome que não se conhece;
um nome imperecível, coroado de diademas azuis.
Contemplo-a, no seu idioma secreto, na estrutura do amanhecer
(sei que o amor é primordial e antigo).

Cada tempo tem a sua coloração,
numa aprendizagem, nestas cidades,
irrompendo as fronteiras.

Falo a linguagem do mundo, densa e alquímica.
Nesses universos cósmicos, sou múltiplo e diverso.

Não espalho o meu amor cantante.

— Amo-a secretamente.




___________________________________________

[ 1.]     Publicado na colectânea “Afectos – amor”, Labirinto, Fafe, 2008 (1.º parte); “100 poemas para Albano Martins”, coordenação de MARIA DO SAMEIRO BARROSO, Labirinto, Fafe, 2012, pg. 70 (segunda parte); “Antologia de Poesia Contemporânea. Entre o sono e o sonho”, volume III, selecção e organização de Gonçalo Nuno Martins, Chiado Editora, Lisboa, 2012, pgs. 222-225 (4.ª parte). Em curso de publicação completa, in Revista “Foro das Letras”, da Associação Portuguesa de Escritores Juristas, Lisboa, 2012.




II



Abrem-se sobre ela janelas,
cabelos negros, macios de escuridão.

Procuro as suas faces opulentas, as suas pálpebras vivas
que derramam poesia.

Amo-a, arcaica, branca,
entre granitos, lírios silvestres, catedrais de luminosidade.
Amo-a primordialmente,
temperada, morena.

Como desejaria a sua doçura, o seu rosto, completamente;
beijá-la, ainda que efemeramente, num minuto da sua luz.

Procuro o seu rosto na multidão;
a tudo ela se assemelha.
Quero vê-la, protuberante, nítida, perfumada,
intacta, sublime, móvel.

Algures, fito o seu ágil andar, suaves acentos e aprumos;
ela, escultura da manhã; o seu centro suave de silhueta leve.
Desvairado, inebriado me arrebato, “amens amensque”.
Um pedaço de mim mesmo desfalece,
decreta o estado de sítio (o coração em desordem).

 Finalmente vejo a sua estrela na bruma,

— cabelos negros,

junto à boca.




III



Never seek to tell thy love,
Love that never told can be

 William Blake





Não posso inebriar-me por tanta beleza.

Se os meus olhos não tivessem vislumbrado o teu esplendor,
teria amado a solidão, esse destino inerte.
Não mo permitiram os deuses.

Nenhum oásis olvida a tua presença;
a incandescência dos olhos
impede-me de extinguir a fonte originária da minha inquietude.
Mulher de água, de plenitude inesperada,
como desejaria beijar,
longa, perene e delicadamente,
teus cabelos singularíssimos, compactos, homogéneos.
(Há tanta coisa que não conheço).
Beijar teus cabelos seria morrer na harmonia da tua luz.

Meus olhos amam-te inexoravelmente,
nas tuas ancas azuis dos teus jardins vedados.

Ao longe, morrem de amor os ramos[2],
pelo caminho transtornado da tua delicadeza.
Debalde peço a esses ramos:
— Ide dizer-lhe quanto a amo.

Quão longe poderia eu assim amar-te.

Diria a razão, o número das tuas pétalas.
Escrevo os caminhos eternos. Sou o silêncio e a voz.
Oculto-me  — sou secreto.

Via-te, aprumada e glamorosa,
no pólo oposto, junto aos apanhadores de borboletas
(Concerto para violino de Brahms, Opus 77).
As margens do caminho eram invadidas por palmeiras interiores.
E em pleno nada o tempo não se expandia
— a essência sempre parca de neve e rosa.
De vez em quando, comia rebuçados de papel
(a sua prata era viva).
Os violinos fragmentados eram as sombras dissolvidas,
cimitarras bárbaras, num êxtase asfixiante.

Queria revolucionar a estática imagem, a perenidade dos lábios.
Só me coube a estrutura espelhada do verso

                      ¾o nó que constrói silêncios.



[2] Cfr. verso de Federico García Lorca:“se mueren de amor los ramos”.









IV


 roubaste-me o coração
com um só dos teus olhares

Cântico dos Cânticos, 4: 9





Tu vieste com beleza e harpas, nocturna e soberana
(a lua era a tua voz).
Procurara por todo o lado, mas não vira nada tão doce como tu.
As tuas pálpebras eram a música por que ansiava; fruía a tua génese.
Em ti amava a brancura, nua e desfeita,    os olhos secretos e luminosos.
Eras nascente viva em que mergulhava as minhas mãos;
via, sem te ver, a tua imagem e transparência;
— a delicadeza eras tu, noiva da beleza.

Música e essência, tu surges sempre com vinho e harpas;
— para ti ardem casas, nuvens, flores.

Devo assinalar-te nesses cálices de doçura:
Como és bela e pura, serena como a brisa,
volátil e translúcida.

Ouves a canção das borboletas? É a tua face.
És graciosa como a palmeira delicada, saborosa e una
(para ti me ergo em pedaços de jade).
És um cisne, uma ânfora esguia de mel;
pronuncias cada sílaba docemente.

Contigo trazes a flor e o trigo, no esplendor da tua voz. 
Não há carne ou luz onde não esteja sorrindo o teu instante.
O mundo acorda a um beijo teu,
pelo caminho transfigurado da tua leveza.

Vejo-te em todos os vislumbres da perfeição.
Estás em mim, no meu corpo.
Cada dia reinvento os teus olhos intermináveis;
elejo-te continuamente,
soletro o teu nome, rememoro a brancura repartida.

És omnipresente;
estás em tudo o que sinto ou toco;
alumias a interpretação das coisas.

Celebro-te, inaugural, nas flores da simbiose.
Amanhecente da tua suavidade, do teu encantamento,
transformado pela tua leveza,
bebo-te baga a baga, no perfume das giestas.

— A tua carne é a carne do poema.
Que a tua flor seja a minha flor,
que os teus lábios sejam os meus lábios;
que o meu cálice seja o teu e que a tua noite seja a minha noite.

O tempo abre-se para nós, nas nossas mãos.
Eu amo-te nesse cântico sagrado de espuma,
nas metáforas exuberantes do silêncio.

A tua voz é o oásis de mim, a luz e o fruto
onde as magnólias se desprendem.
O teu corpo, feito de alegria e veludo,
é um poder leve, de estrelas e iodo;
teus cabelos, macios como seda marinha.
Pérolas são teus olhos, monólogos de alegria.

Renasces em mim perenemente.
És sempre tão nova e pura...
O ouro incendeia-se na tua face amendoada
(a minha amada é preciosa).

Feita da matéria nocturna e da matéria delicada,
das pétalas alegres de veludo,
és manufacturada e triste.

Adquires o corpo, as suas núpcias,
esse êxtase inefável e suave,
de que as palavras e cada gesto do viver se alimentam.

Beijo-te imaginariamente, apartas-me subitamente da melancolia.
Cativados pelos cabelos que anoitecem,
deveras os meus olhos te amam.

Tal como o éter é rasgado pela tempestade
— assim eu te amo.

A felicidade és tu;
a felicidade é ver o teu sorriso aberto e manuscrito
(como ecoasse o Concerto para piano e orquestra de Schumann,
terceiro andamento, e o grande amor por Clara Wieck).
Contigo, todos os céus e todas as estrelas brilham como outrora;
o dia torna-se mais claro e translúcido.
A teu lado, todas as coisas, deste e de todos os mundos,
são ditosas e diferentes.
As horas, contigo, são nenúfares mágicos e absolutos.

E os teus olhos são pétalas que se abrem, como borboletas azuis.

Oh, amada pérola, quão estimada és para mim!
Devo consagrar-te nesse poema aquático,
devo segredar-te a inalienável doçura.
E invoco para ti os pássaros, a flor do livro;
descerras para mim as pálpebras e tocas um interlúdio.
Resplandecem os frutos na tua boca
e é neles que pousa o meu coração.
             
             Em ti, a chama.
         Em mim, a morte e a alegria.





Ivo Miguel Barroso,
Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa

28 fevereiro, 2010

Natura arsque*

-Poesia em Fuga


O ser, caligrafia incerta.
O poema é um acto novo, inicialmente indefinido,
mergulhado nos violinos de água, nos augúrios da descoberta,
precipitando o nada, o desconhecido;
a trípode, o bálsamo, o desconcerto, a anémona;
a noite da noite; um som terrível;
o cânone abrindo a luz secreta da solidão,
o murmúrio indivisível imortalizando o nome.

Um sabor que começa a nascer.
Vejo o ser, caligrafia incerta, torres de alabastro.
Um poema - a única forma de conhecer o tempo,
a ordem criadora, a latitude boreal, os cometas da metamorfose,
lunações no céu nocturno; um único ponto de luz.
Uma razão, um fundamento.
O fulgor imediato para descobrir a escuridão,
o lado-morte por vezes, um barco para o Hades
- uma vela de mim.

Procuro, entre a palavra e o metal, a pedra e o silêncio,
o gérmen da claridade,
nessas águas iniciáticas, lugares onde as árvores amadurecem,
onde as folhas se propagam,
onde as cigarras gemem, exuberantes, fascinadas pela forma da substância.
A noite - vivo fragmento na dança das casas, borboletas voltejando;
os tempos, os lugares.
“Natura arsque”.
Nesses momentos, invoco Atena, a fonte de Hipocrene, leitos de água.

Novelos de prata, vida infinita;
formei a minha alma de intérprete dos pássaros e dos sonhos
(folhas orvalhadas, mistério oculto).
Canto essas paredes incólumes à destruição
e canto a teoria das coisas, a mobilidade apoteótica das raízes.

Canto a pureza, esse canto azul,
sob o sol dinâmico de um grito originário,
num poema que é um verso de água,
.....................múltipla
..............................e
..............................criadora.


Ivo Miguel Barroso

___________________________________________

* Publicado na revista “Inventio”, n.º 10, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999.

21 fevereiro, 2010

12 fevereiro, 2010

FOTOPOEMA

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Photobucket

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*Maria Azenha, in «de amor ardem os bosques», Janeiro 2010, p.79.

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06 fevereiro, 2010

Ríos que pasan siempre cambiantes





(Para Raúl Gálvez Cuéllar)



Ríos que pasan siempre cambiantes
Tienen la memoria del tiempo
Ellos pasan solamente
Sus caras van lavadas al sol
Siempre en oro y en grana

Ríos que pasan siempre cambiantes
Dejan su memoria en los pueblos
Son nobles pero otros siempre son
Ellos construyen, ellos destruyen
Imperecederas son sus huellas

Ríos que pasan siempre cambiantes
Son cristalinos, osados y rumurosos
En el impulso vital de sus cauces
Tienen la memoria de mil pueblos

Ríos que pasan siempre cambiantes
Llevan el color mismo de la vida
La vida es el tiempo que se abre en flor
Ella es nube, es lluvia y es trueno
Líquido que es sangre del corazón
que hacia la mar camina perdurable.



José Pablo Quevedo




05 fevereiro, 2010

Caso Pluvioso

A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que maria é que chovia.

A chuva era maria. E cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.

Eu era todo barro, sem verdura...
maria, chuvosíssima criatura!

Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono, e o resto.

Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa...Nossa!

Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.

Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia em vão - pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.

E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.

Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!

Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo,
poças dágua gelada ia tecendo.

Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.

E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de maria mais chuvavam,

de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,

e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.

Os seres mais estranhos se juntando
na mesma aquosa pasta iam clamando

contra essa chuva estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).

Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliram,

e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.

Os navios soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,

e maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,

e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, maria! - e ela parou.


Carlos Drummond de Andrade



Obs.: Este poema, dito por Paulo Autran, pode ser ouvido no YouTube, clicando AQUI

29 janeiro, 2010

"DE AMOR ARDEM OS BOSQUES" - novo livro de MARIA AZENHA








A nova obra poética «De Amor Ardem os Bosques» tem nascimento previsto para o final de Janeiro de 2010. A tiragem é de 250 exemplares, dos quais 50 são numerados e assinados pela autora.


As reservas da obra podem ser feitas através do email:



maria.azenha@gmail.com





Edição limitada







24 janeiro, 2010

Tudo guardei




Tudo guardei
do que me deram as brancas aves
das primeiras horas.

O cheiro do mosto magoado
o suor chegando
do grande segredo da noite
os corpos bêbados de silêncio

o sussurro das casas
sobre as árvores
o milho das águas
nas obscuras arcas

e húmidas as palavras
-tantas que me cresciam:

avô estrela casa
barco rio mar
terra tantas vezes terra
mulher mulher mulher

-todas guardei com amor tanto
que não posso já senão perdê-las.




Henrique Dória





21 janeiro, 2010

estamos sós com aquilo que amamos




.
.
.................................................................................... -ao Augusto Mota


é o vigésimo segundo dia do mês de Janeiro
”esse ponto exacto à volta do qual tudo oscila
testemunha do balanço entre a noite de um inverno exterior e
a aurora de uma primavera interior”
é vigésimo segundo dia do mês de Janeiro
o rito
a celebração da arte na Arte
sabemo.nos presos a um corpo
à matéria e
recusamos aceitar ser esse o local da nossa morte
um corpo nada mais é do que um fim que
se elabora num erro
só podemos aspirar aos objectos que
tenham o estatuto de pensamento mas
também neste caso
os objectos tornam.se insuportáveis
na medida em que o corpo
como objecto criador do pensamento
também é insuportável
é esta deficiência técnica que
para os cépticos como eu
faz surgir a estranheza e o medo da morte
tudo isto é um erro
primeiro por
que na dicotomia objecto /corpo
objecto/pensamento
há uma verdade insofismável
cada um ao nascer transporta em si um cadáver
segundo por
que há que aprender os limites da ideia
há que saber os limites da linguagem
há que saber ser nos limites
da linguagem e da matéria
calcular a distância
entre a matéria e o pensamento
entre a nossa vontade perceptiva e
o estado real do objecto por
que a mesma pode resultar da fuga do objecto
este deixa de ser para querer ser
os objectos podem deixar de existir
para existir a esperança do objecto que
especifica a fuga e a ausência e
esta é a forma de consciencializar uma afeição mas
a falta do objecto nunca nos faz aproximar dele por
que o que amamos é a ausência
a deslocação
a esperança do objecto
”estamos sós com aquilo que amamos”
-escreveu Friedrich Novalis
julgo imperioso cultivar o espaço bruto se
quisermos escrever o poema
deambulamos num espaço vazio que
fica entre corpos e ideias
nomes e/ou objectos
como preencher esse vazio?

um Poeta
sobe as montanhas da Palavra e aí
entre o dia e a noite
julga.se um fugitivo
sem saber que nunca sai do mesmo lugar
deseja ser um grito e ter asas de ouro
mergulha a fronte suave nas mãos geladas e
deixa o corpo cair
sonha
procura na terra negra uma flor azul
sabe da escuridão e do frio que
enchem o vazio e
então só
então
cumpre.se na Ausência


-cesare dandini

gabriela rocha martins

19 janeiro, 2010

16 janeiro, 2010

Colher o tempo




Sítios de onde olhei estrelas
e foram tantos se os lembrasse –
meridianos da minha vida
um mapa o fio
de Ariane
à primeira das terríveis alegrias.

Desta falésia quantas vezes
barca branca apontada ao sul
estrelas que convocámos
e na proa o braço erguido -
claridade
de um deus gentil meu irmão.

Que é voltar?
Verões foram, arderam
estrelas em mar e céu
extraviou-se a via láctea
e o deus partiu.
Como se nunca houvera existido.

Apelo silente dos fundos do mar
longas plácidas ondas, fosforescências
da vida breve.
Colho o vento o tempo o riso
agudo
de outras crianças pequenas lanças de alegria.




Soledade Santos




05 janeiro, 2010

isto é um poema sério





Vem pela noite um bandido
com uma mão cheia de cinzas
para nos cegar.
eu disse.

O rapaz cheio de saúde
perde o trabalho,
sai de casa, fica ao frio da rua,
torna-se um sem - abrigo.
eu disse.

Vem o velho Adolfo
conhecedor de escravos
mete-os em muitos lugares da terra;
Vem a este tempo para blasfemar.
eu disse.

Gravo no teu coração esta página de pedra.

Se ninguém cantar
enquanto dura tudo isto,
conhecemos a razão,
a água não lavará mais as nossas mãos.

Entre as coisas que sobreviverem
restarão as nuvens, os glaciares em degelo,
que dirão de sua justiça.

eu disse.



maria azenha


03 janeiro, 2010






a única vez que a vi ela fazia renda no metro, entre anjos
e alameda, e nem por um minuto deixava de contar as laçadas
as voltas da linha na agulha. e assim passam os anos e esquecemos
as pequenas combustões, a razão de termos dado um início
ou de querermos encontrar os fins e a irregularidade nas coisas.
havia sempre o engenho de um gesto novo assim que parava
a meio, a confirmar a proximidade do seu destino ou quando
no contrário da peça, e verificava-a com atenção, examinava
o esforço: - dez minutos e tivesse eu ainda tempo. a tristeza
a exceder o número de vezes prevista e mais uma vez a reconstrução
de um mundo e há quem diga que sim que as noites são alteráveis
quando descem com habilidade ao coração das mulheres.


Susana Miguel



recurso sinalético








o travessão é o justo limite .acima movimentam.se quase todos os caracteres legíveis .abaixo os ilegíveis .como não percepciono a diferença entre uns e outros tento no encontro com o hífen perceber o justo papel do traço .perante a sua indiferença às contraditórias chefias ouso recorrer ao ponto final que de pronto me envia para o parágrafo seguinte .recorro à vírgula que não me passa cartão algum preocupada com o chá das cinco acordado com as amigas reticências e para o qual já se encontra atrasada .toco à porta do ponto e vírgula e apercebo.me da inconveniência do momento razão porque tento chegar à fala com os dois pontos que de imediato e antes que algo diga me apresentam uma petição a favor do referendo ao casamento homossexual .resisto ainda à tentação de interromper uma final de campeonato de basquetebol entre os pontos de exclamação e ante a resistência dos pontos de interrogação a braços com um processo de corrupção ao mais alto nível desisto do recurso sinalético e bato em retirada

indiferente à norma







-jeff faust.
gabriela rocha martins ,in Andarilhos & Vagamundos