29 julho, 2009

Ocupo-me de perguntar...

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Muito grande plano de pétalas de rosa orvalhada
Foto de Augusto Mota

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Canso-me de acordar o princípio da demência
de voltar e perguntar sem responder

Ocupo-me de velar pelo som do tempo
de procurar a chuva certa o minuto a dobrar
de abraçar o coração do boi dentro do silêncio
de saber a pedra encontrar o rio nos pés

Ocupo-me de perguntar
e gostaria que o meu coração pudesse amanhecer
nas amêndoas vermelhas de uma árvore cheia de mãos.

Graça Magalhães, Julho 2009

25 julho, 2009

05 julho, 2009

O rouxinol de Bernardim

O rouxinol de Bernardim
era teu ou era meu
quando veio de madrugada
tecer seu canto no muro do jardim?
E após breve pousada
levou os séculos voando
quando perto já de ti ,
vim abrir para dentro as portadas.
Ouviam-se carros nas estradas
o rouxinol desaparecia , voava.
À procura de uma árvore
destroçada sobre a terra exangue
na paisagem, vidros partidos , papéis ,
galhos , jornais, a tinta a sangue

No jardim de minha casa
há sempre uma rima de Bernardim
que canta aflita de madrugada ,
como se houvesse uma levada
e essa fosse, a do teu amor por mim!

José Ribeiro Marto , Pastoreio , pag. 36, Edições Temas Originais

04 julho, 2009

Pássaros de Silêncio - Xerófilas

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Photobucket

Xerófilas - desenho de Augusto Mota (1960), 32x38,5 cm.
Café e tinta-da-china
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1.

Entre as folhas e o tempo
despertam pássaros de silêncio
única fronteira de ventos
a cobrir de olhos salgados
restos de divisão
lábios fechados

depois acendo a boca e o adeus perfeito
onde nascem laranjas do peito .... aves inquietas

GRAÇA MAGALHÃES, in «Na memória dos pássaros»,
"Palimage Editores", Viseu, 2006, 2ª edição, p.4.

03 julho, 2009

MINHA MÃE BORDOU SEU NOME

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Lenço bordado por uma aluna da Academia

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Às talentosas bordadeiras da Academia Sénior de Estremoz
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1.
Com linhas de várias cores
E com pontos variados,
Nascem pássaros e flores
Na tarefa dos bordados.

2.
Minha mãe bordou seu nome
No lençol da minha alma –
E quando a alma não dorme,
À noite o nome me acalma.

3.
Não tens pano pró bordado
E o resto voou no vento?
Qu’isso não te dê cuidado,
Borda o ar, se tens talento.

4.
Bordo o lume do poente,
O nascer branco do dia –
Só a linha é diferente:
Uma é quente, a outra fria.

5.
Mas quando bordo a meu gosto
Num paninho de cetim,
Bordo a forma de teu rosto
Para ter-te junto a mim.

6.
Bordaste os dois namorados
À beira de dar um beijo.
Ali ficam separados,
Sem cumprir o seu desejo.

António Simões, Junho de 2009
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Lenço bordado por uma aluna da Academia

02 julho, 2009

usina de sonhos (com o meu abraço, agora, que voltei mais inteira)

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Caros Marginais da Poesia
partilho com Alegria a minha estada em dois Córregos e a possibilidade de aí apresentar o meu trabalho poético.
Constou de uma Parábola em três partes:
Um breve discurso livre (2.º momento)
que tomou como ponto de partida a leitura
(1.º momento) do documento que abaixo se transcreve.
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E o ritual poético propriamente dito,
que foi desenrolado num 3.º momento
em torno de fragmentos do meu inédito (2003)
"resguardo das Esfinges. declinações do branco".
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"O pacto a firmar com este texto será sempre «de inconforto« (não de desconforto, mas de inquietação, no que o termo tem de mais estimulante): não estamos aqui para ler coisas de esquecer; não estamos aqui para falar de histórias de uma história que todos conhecemos, porque elas não se alteraram muito nos últimos duzentos e cinquenta anos e continuamos a vivê-las e a observá-las no nosso dia a dia. São as histórias de um género que se impôs como narrativa realista, se transformou no paradigma máximo daquilo a que se chama «literatura«, e se ocupa quase sem excepção de destinos individuais, de sujeitos que não ultrapassam uma dimensão psicológica e emocional, e não se movimentam para além de uma espécie de redil, a que se chama sociedade, e onde um um número limitado de «tipos« lutam para se anularem uns aos outros, psíquica ou economicamente — a essa «arte narrativa« chamou Maurice Blanchot «a eterna literatura das amas (Blanchot: 1984, 150). Em certos casos, projectam-se esses conflitos num fundo avermelhado que os faz cair na História, que é sempre a história do poder de uns quantos sobre outros, nunca a da pujança latente em todos e no Ser em geral, que está aí e nos olha (é deste olhar das coisas e dos Vivos, que nós nem sempre dominamos, que vem o inconforto e o medo que alimentam uma escrita-outra, como é a de Maria Gabriela Llansol). Por vezes, já mais próximo de nós, alguns, poucos, souberam afinar a atenção para aquilo que o mundo (dos mundos) nos olha, transformá-la numa espécie de «oração natural da alma«, e produzir com isso textos em que outras dimensões afloram, outras figuras dominam — a do oxímoro, a da ironia ou do paradoxo —, perturbantes também eles, mas quase nunca jubilosos, antes trágicos (a isso chamou-se Modernidade ou Modernismo, e alguns dos seus grandes nomes foram, por exemplo, Kafka, Musil ou Pessoa (...) ".
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Barrento, João. 2008. "A Chave de Ler. Caminhos do Texto de Maria Gabriela Llansol". Na Dobra do Mundo - Escritos Llansolianos. 1.ª ed. Lisboa: Mariposa Azul, 32-33.
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Referência: Blanchot, Maurice. 1984. O Livro por Vir. Lisboa: Relógio d´Água.
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para aceder a fragmentos de "resguardo das Esfinges. declinações do branco." clicar aqui.
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O meu Abraço de Parabéns a Maria do Sameiro!
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(...)Pelos campos do Lis... Pobre cidade, a minha !



«Cai, sobre a cidade do Liz, o silêncio e a calma de um dia quente de setembro: é este, sempre, momento íntimo e forte que convida, instiga mesmo, à meditação sobre os valores e a pureza dos elementos cósmicos, olhando o sombreado que o poderoso astro solar sacode mansamente sobre os pobres humanos, antes que se aproxime a estrela da madrugada. Mas em lugar nenhum do mundo essa magia é tão pura como nesta cidade! Porque leves Zéfiros inspiradores trazem no ar, não já as brisas do Liz, (sopram de outros quadrantes) mas sim o aroma inspirador das pocilgas e/ou das "etars". É como se o campo viesse dar um beijo de boas noites oloroso e romântico à cidade! E nesta terra de amores reais cantados, e tantos outros amores sussurrados, os leirienses, contagiados e enfeitiçados por estes aromáticos fins de tarde, sonham, inebriados, com Isabel. A amantíssima esposa e rainha do rei do “verde pinho”; a que conseguia transformar o encardido pão em rosas aromáticas. Pudesse ela sentir estes odores porcinos da sua cidade que embriagam todos os fins de tarde ; os quentes, os ventosos, os húmidos, os frios... Pudesse a Santa Isabel, a das rosas, fazer outra vez o milagre, mas não com o pão ...

Ai, como eu gosto dos fins de tarde na minha cidade, onde chega o aroma forte e acre..., das estevas, quando o vento se engana e sopra de leste!»


Texto e fotografias de Fernanda Sal Monteiro.