28 fevereiro, 2009

..................aventureiro

Monstro metálico, desenho de Augusto Mota, 1961,
pastel e tinta-da-china, 37 x 31 cm.
*

Sou um aventureiro de palavras
monto a primeira
e vejo.a cavalgar
rumo ao poema

torno.a alasão

galopante

entre as escarpas
das estrofes que se preferem
absolutas

invento um corcel de ritmo
aforrado entre
as sílabas
troteadas à inglesa

dispo.me de poesia e

litigo a brisa ao som
cadenciado
do silêncio


o poema acontece


Gabriela Rocha Martins, in « .delete.me. », edição “Folheto Edições & Design”, Leiria 2008, p. 16.

" não escrevo línguas, analfabeto-me em linguagens" - Pacheco Eduardo

Pacheco Eduardo





METAMORFOSES


Manda-me de volta todos os beijos que não demos na hora da despedida que nunca existiu. Manda-me um só momento que sirva para resumir todos os instantes provisoriamente eternos, devolve-me a metade de ti que me pertence, a peça do puzzle que inventei para me entreter enquanto exploro os meus excessos à flor da pele, enquanto culpado me confesso do silêncio audível no interior da tua boca.

Poema?

Devolve os sorrisos que não partilhei com os teus lábios. Reaparece, grita-me a tua ousadia, cospe-me no rosto e no resto que sobra de mim, vomita os fantasmas que coloquei nos teus sonhos, arranca de mim os filhos que não me deste, morde, trinca, beija este corpo com bofetadas. Isto é amor. E se não for, então que se lixe!!

Que se lixem as rosas que não te ofereci, que se lixem as lágrimas que bebi do teu olhar, que se lixem as recordações na reciclagem da memória, que se lixe o vazio que escrevo, que se lixem os instantes provisórios, os beijos, a despedida, o puzzle e eu. Mas, por agora... imploro-te...
Apaga no coração as mil vezes que te matei sem te avisar e as vezes mil que não te amei e escrevemos utopias eternas nos lençóis!!

Poema?


Rasga-me os sentimentos que já não sinto, as pétalas, os ramos, o pólen, as raízes, deita fora todas as emoções que já não penso e guarda os espinhos para te acariciarem a epiderme e dorme sem que a tua boca cuspa uma lágrima, enfurece-te carinhosamente, corta em fatias essa overdose de esquecimento, anestesia o meu choro com beijinhos mesmo que não sentidos.

Poema?

Engana-me na única verdade que é acabar e regressar ao pó e quando estiver deitado, grita-me que não morri!!
Poisa em mim como uma tempestade de orgasmos organizados por desordem alfabética. Empresta-me o tempo que não tive para te dizer o quanto demorei para encontrar o ponto onde começa e termina a eternidade que se encerra numa hora onde não cabem sessenta minutos de realidade. Uma hora onde não cabe nada que não seja sublime como a tua doentia solidão enterrada no solo árido deste fragmento poético quase tão ofensivo e obsceno como o dono dele.

Meu poema... meu amor...

Empresta-me um sonho que não seja meu, uma mentira pequenina para me aliviar a espera. Uma mentira, dessas que não magoa mesmo quando se tratam de verdades violentamente incuráveis como uma despedida para sempre. Para sempre e por hoje, empresta-me um alfabeto diferente. Cansei-me de dar nas vistas sempre com os mesmos disparates. Cansei-me de ti que ingenuamente apenas serves para me fazer sorrir de nervos, tão assim, mais ou menos isto ou tão míope, que só visto. Tão ausente, tão desatento, tão alheio, tão filho da mãe como a vida, às vezes. É!!


A morte é a incurável certeza que nos mantém vivos!!


Se alguém duvidar, então ressuscitem-me deste sono, atirem a primeira, a segunda e a terceira pedra e deixem-me descansar na sétima noite da minha ausência para que no final possas perceber que é tarde para me proibires de sonhar...

E isto será sempre amor! Mesmo que as palavras doam, será, mesmo que não seja nada. Será, mesmo que pareça um desmaio voluntário, um recém-nascido à espera de um espancamento fraternal que lhe desperte o primeiro choro. Isto será sempre amor, uma teimosia tragicamente razoável que excede as utopias que deambulam à volta da tua imperturbável apatia. Será o que tiver que ser portanto, empresta-me uma catástrofe de miminhos, o desastre afectivo das tuas quimeras, devolve-me o alicate, o serrote, os martelos, as enxadas, a guilhotina e, já agora, os bisturis, preciso de uma cirurgia emocional, que arranquem de mim o teu suor e me deixem ficar apenas a esperança e o lapso de ser imaturo porque de real só me resta a discreta verdade da fantasia.


Pacheco Eduardo


( clique no título deste post)


mariagomes

25 fevereiro, 2009

despem de orvalho a luz e chamam vela à escuridão,
esta é a eterna manhã de meus irmãos;
com as mãos vermelhas do prazer do frio,
no lago esvoaçavam como pássaros,
dançavam,corriam, escondiam-se,
acendiam os dias com grandes lápis de cor


os olhos,
como lanternas são os peixes mais belos do mundo__
eu digo-lhes isto, eles sorriem tímidos, vaidosos
da luz que raia os meus olhos, e os espanta
de passado feita a esperar por eles,
num beiral para os proteger da chuva,
e do Inverno que ceifava os meus olhos,
para os libertar dos nós do mundo,
fiz pouco,
a surdina dava baixa aos momentos de luz,
apodrecia no vento


José Ribeiro Marto

24 fevereiro, 2009

SONETO LABIRÍNTICO

Hora Mitológica, desenho de Augusto Mota,1961,
verniz celuloso e tinta-da-china, 27 x 19,5 cm.
*
Claramente, um jardim labiríntico:
Veredas circulares, buxos dementes –
E um jardineiro que passa esfíngico
E apara as sebes com os dentes.

O canto da razão soando cínico
Desbastando os sonhos, e tu consentes
Nas áleas sem fim o desdém olímpico
De seus olhos frios e sempre ausentes.

Claramente, um jardim feito a compasso
Que em horas de emoção desfaço
E à demência circular ponho fim.

Aqui o deixo em sua geometria.
P’ra que ninguém se perca, todavia,
Fechado estará sempre este jardim.

ANTÓNIO SIMÕES, in «Soneto de Água e outros», "Manhã Nova Edições”, Estremoz, 1994, p. 23.

21 fevereiro, 2009

"para não dizer(em) que não falei de" ... Amazing Grace, digo: Il Divo

(pf, clicar no título deste "post" para fruir do video, cuja incorporação é proibida)
.
Abraço, da mt





"*Existem 639 milhões de armas no mundo - uma arma para cada dez pessoas
Todos os anos morrem em média 500,000 pessoas vítimas de violência armada uma pessoa por minuto! Apoie a implementação de um Tratado Internacional que regule o Comércio de Armas. Seja um num Milhão: www.controlarms.org"fonte: dados e video, Amnistia Internacional Portugal.

mariagomes

20 fevereiro, 2009

"para não dizer(em) que não falei de" ... Olga Roriz

.
(para aceder a este — e a outras video-montagens de Criações de Olga Roriz (cuja incorporação é proibida), clicar aqui )
.
com abraço da mt
.

16 fevereiro, 2009

13 fevereiro, 2009

cada palavra deve ser o que és

CINZAS VERDES - desenho de Augusto Mota, 1961, 31 x 31 cm.
Verniz celuloso e flo-master.

não escrevas a palavra pedra se não tens à mão
uma pedra
não digas a palavra água se nunca quiseste morrer
não penses a palavra fogo se o teu coração não arder

guarda vagarosamente cada som
silenciosamente trabalha o desenho de cada letra
porque a um poeta é reservado
o alfabeto
o fogo
uma escada de rubis


maria azenha


o vendedor de picolé

12 fevereiro, 2009

EM JEITO DE HOMENAGEM

*
Marmeleiro-do-Japão (Cydonia japonica) - foto de Augusto Mota
*
Começam a aparecer as primeiras flores e a minha obsessão agora é outra, bem diferente e mais poética. Começo a ficar obcecado por este sol de Inverno a atravessar as pétalas delicadas do marmeleiro japonês, cujas tonalidades variam muito, consoante o ângulo de incidência dos raios solares. Esta foto desgarrada, tirada ontem, é dedicada a todos os poetas, homens e mulheres, que, com os seus discursos, me vão aliviando de obsessões passadas, que dificilmente esquecerei, muito embora as possa recordar quando ilustro, com trabalhos antigos, poemas que julgo enquadrarem-se na atmosfera de tais obras. Augusto Mota, 12 Fevereiro de 2009.

11 fevereiro, 2009

Perseguem-me as dúvidas.

*
Obsessão (1961) - desenho de Agusto Mota, 17,5 x 28 cm.
Guache e tinta-da-china.

Vi o interior
do fogo prometido.

Perseguem-me as dúvidas.
Não percebo a luz
nem o esplendor a que pertences
a obsessão que alastra surpreende
cada momento de agonia
e de prazer que me é dado
nesta inocência perdida
de tocar a pele
perceber que a posse não se nomeia
e que mais sublime é o beijo
que se esconde na incerteza
de um pano onde esteja à nossa espera
o chão do paraíso
a construção de qualquer lugar possível
dentro de um quadrado branco.

Graça Magalhães, Fevereiro 2009

09 fevereiro, 2009

deliberada mente

-steven kenny.

olho o vagabundo do outro lado da rua
tenho pena
não dele
mas de mim
sentado no chão tem o absoluto do nada e
eu?
reservo.me na serventia de tudo

olho a cigana do outro lado do passeio
invejo as palavras com que tece
nas mãos
o futuro
ilusões e
eu?
presa ao presente em que o nada se compraz
no absurdo das intenções

a cabeça reserva.me a dúvida
o cansaço das estórias recriadas
repisadas
ninguém tem o direito de ser
míseros ímpios feitos em deuses

senhora
o vinho corre!
deixá.lo correr
alguém pergunta
porquê?

o bêbado bebe
na solidão de si
se for o caso
ou talvez não e
porque não?

o vagabundo olha.me
estendo a mão a que a cigana revestiu de cacos
deixo.lhe um sorriso
preso à imensidão de um olhar
profundo
que não ouso

não sei colar os cacos que a cigana
forjou

o não é a palavra proscrita
no sim de uma vida
sem desígnio de viver
perseguem.me os fantasmas da escrita
a maledicência transfere o golpe mortal
choro o animal ferido
rio.me do pontapé dado a um irmão
de raça
alimento.me de ossos e
peles
como uma predadora imersa
em ladaínhas de bem querer

não ouso

prefiro o salto do vagabundo que
me estende a mão para segui.lo
ao encontro oculto da cigana
sou
sapato
gato
rato

a ínfima parcela de um choro
que não choro
de uma gargalhada
que não dou

coloco a cabeça entre as mãos
aperto.a
não me detenho em nada
não ouço nada

prefiro a algazarra do demónio
onde encontro o absurdo do não ser
em perfeição

não magoa nem dói

matei a alegria
matei a cigana
matei o vagabundo
não percebi que ao fazê.lo
me matava a mim
fiquei reduzida ao nada
in feliz
no espaço que circunda
o estar no meio do conflito

deixem.me entregue às minhas loucas
fantasias onde bebo
( e porque não? )
os néctares que me aprouver
deixem.me
ser
a ausência
a verdade
falsa do trio que desenhei
o vagabundo
a cigana e eu
três marginais no destino

estou tão cansada de ser

valorizo hoje
amanhã destruo
a sobreposição de valores
de comportamentos
de atitudes

como manda a santa madre igreja
os anjos
os arcanjos
os santos
os demónios
el.rei e
senhor

sou muito bem comportada
respeito a cor
o grito
o silêncio

o absurdo
a redundância
tudo começa a fazer sentido

ausento.me em cansaço

olho o outro lado da rua
não vejo o vagabundo
terei sonhado?
a cigana sumiu
terei enfabulado?
não me revejo
estarei acordada?

é necessário que alguém vigie

os extra.terrestres acabam de ocupar
o centro da avenida
têm olhos redondos
nariz redondo
orelhas redondas
barriga redonda
a boca
é afiada
ah! têm duas línguas
bífidas
como as serpentes que procuram a estrada
cabeça erguida na morte
as cadeiras
aprumadas
continuam à espera que o espectáculo comece
os actores não comparecem

[ alguém inverteu os papéis ]

apagam.se os projectores

deliberada
.................mente



-gabriela rocha martins.

08 fevereiro, 2009

DEIXEI A SEDE NA PLANÍCIE

Deixei a sede na planície,
Dormi sob o véu dos pássaros,
Tão rés às estrelas,
Tão diminuta era a tarde,
Muito longe das estradas.

Meu coração vibrou de ouro,
Sementes dos dias,
O tempo as guarde.

Brota agora um chão
de passos,
Seja o que fui irmão dos pássaros.

Deixei a sede na planície
Um pulso ou mão de água;
Uma água fértil,
Ao cuidado de uma lágrima,
de olhos vazos
Escrevi-me no horizonte.

Hoje quando me dizem antes _
Eu sopro o esplendor de um dia aceso
ao uivo dos lobos fico preso_
num canto misterioso de nascer.

José Ribeiro Marto

05 fevereiro, 2009

Ontem e hoje, Mãe!

Photobucket

Torre Mecânica - desenho de Augusto Mota, 1961, 31x49 cm, anilinas e caneta flo-master.


Mãe,
ainda que na Árvore da Vida habites,
sinto a ausência dos teus beijos.
O nosso amor é um vaso de leite derramando branco
nas nuvens.
As células do nosso corpo,
pequeníssimas estrelas,
comungam todas da mesma revolução.
Mãe,
a comunhão é um estado de autoconhecimento.
e a matéria veste-se para o Inconsciente:
primeiro, sono.
depois, sonho.
por fim,
rendição.

Tu és Deus, e eu também.
Quando te chamo, avanças
quatro,
cinco,
seis mil anos.
Quando entramos em sintonia com os astros
sentimos a alegria do comunismo
das árvores em tuas mãos.

A Vida é um hiper-estado de consciências.
Os crimes são anti-humanos.
As formigas, radiogaláxias que estabelecem comunicações
através das suas pequenas antenas.
Os poetas fazem parte desta sociedade de partículas.

Mãe,
as últimas ondas de luz do universo
transformaram-se em humildes campos terrestres.


Mãe,
não consigo dividir-me por zero.
Tudo está em expansão, quero dizer:
cada vez mais próximo dum ponto central.
Cada centro do espaço
é um novo projecto.
E a luz, a harpa de Thales,
que um dia disse: " Tudo está cheio de Deus".

Eu digo, deus ou deuses
porque as nossas almas são partículas enraizadas nos céus.
Sabes como os asteróides representam a mesma dança – são eles isotrópicos.
Cantam a Incriação.
E eu entro no câmbio,
- colho as sementes do espaço que não mais
existem no zero.

Ontem,
tornei-me photograficamente um quantum.

Alguém disse: " Vieste do Improvável e vais para o Improvável".
Movimentamo-nos em campos de energia. Dançamos.
Deles brota a sagrada estrela da Harmonia.

Mãe,
dizem os índios:
"Se temos um coração bom quando dançamos,
então chove."


maria azenha
do CD "O mar atinge-nos" , 2009, Janeiro