30 novembro, 2008

FOTOPOEMA


in «Portugalito», "Palimage Editores", Viseu 2002, p.93
*na foto: Nice, Novembro de 2008

29 novembro, 2008

29 de Novembro de 2008

Aos meus queridos Amigos


António Simões


Nota de Fernando Pessoa
...a si mesmo, no dia do seu aniversário




"Com a regularidade do costume, faço annos este anno no mesmo dia que no anno passado. Admiradores que somos d'essa regularidade, que com certeza teria prémio num collegio, não queremos deixar de o felicitar por ella e lhe desejar que muitas vezes continue no mesmo systema".





e Augusto Mota


fotografia de Augusto Mota
excerto de um poema de Alberto Caeiro
manipulação cromática de gabriela rocha martins


a cidade digital [ Lisboa, Novembro de 2006]

Lisboa/2006

28 novembro, 2008

HOJE

Para o Augusto Mota, com um abraço de amizade.



foto de Augusto Mota, composição de fernanda s.m.

TEXTO TRANSVERSAL

textos transverais 67

27 novembro, 2008

26 novembro, 2008

o que arde não perdura

.
deixa rasto marca pasto para que o ardor subtil
no rescaldo do regresso
deposite gotas de húmus ardente de comoção.


nesse lastro do ardido o húmus incandescido
faz-se criação sublime.
sendo o mover-se, move
move tudo o que não arde e
intacto
se perdura no esplendor seu ardente fulgor.
.
maria toscano.
o que arde não perdura. Poemas em Água Viva. (inédito).2006.
.

poesia visual . outono



-fotografias de don paulson.

FOTOPOEMA


in «Na memória dos pássaros», I parte, poema 14, "Palimage Editores", Viseu, 2006
na foto: mar tempestuoso na foz do rio Lis / Praia da Vieira de Leiria / Setembro, 2006

Faz-me

Faz-me
bicho de seda
para que a distância
na tua pele
sendo recente
se aproxime lenta
como fogo esplêndido no peito

e assim transpareçam lábios de ouro
e eu possa tomar o sangue
como pão
onde parco e branco é o meu leito.


Graça Magalhães, Novembro 2008

23 novembro, 2008












.

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.
.
.
o modo do fogo inteiro
é o lugar da permanência:



perdurar
o que semeia.
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maria toscano.
o que arde não perdura. Poemas em Água Viva. (inédito).2006.
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Quadros de Margarida Cepêda.
.

FOTOPOEMA


in «Na memória dos pássaros», I I parte, poema 1, "Palimage Editores", Viseu, 2006.
na foto: Nevoeiro numa manhã outonal / Ortigosa - Leiria.

E(ra) o tempo

Videira (Vitis vinifera) - foto: Augusto Mota
(a João, meu filho)

A cidade adormeceu na encosta da consciência
dos homens de duplo olhar - angélico, satânico.
Irreconhecível, corre o rio à margem de azuis;
as tuas lágrimas perfumam lírios!...

Como gritos sinto coisas aflorarem à memória:
- o copo, a chávena, o gosto infantil do leite bebido pelo pires...
o branco dos lençóis que se estendia até o sol corar o horizonte.
Nos canteiros, as videiras viviam em acidez adunca,
as lavadeiras elevavam cânticos à sombra dos mamoeiros.

Era o tempo em que persistiam buganvílias a janelas fechadas,
e os patos faziam voos rasantes ao superficial suicídio das acácias,
num parecer de sangue manchando o céu aberto.
Seria um prenúncio ou a conjugação de cores que impressionava?
Sei que hoje, meu filho,
as árvores baleadas são acariciadas pelo tempo
que ostenta cicatrizes sem vitórias.

mariagomes
Coimbra, 2003

22 novembro, 2008

FOTOPOEMA

in «os nomes infinitos do ser», "Pé de Página Editores", Coimbra, 2002.
na foto: Grinalda-de-noiva (Spiraea cantoniensis)


Photobucket

21 novembro, 2008

FOTOPOEMA


Poema 30, in «Lavrar no corpo das algas», edição "Palimage", Coimbra, 2008.
foto de um fruto de Cornus capitata, arbusto dos Himalaias..

AINDA NÃO ERA

ainda não era voo, rasgão a fogo azul de vento, mármore de chão,

verde na folhagem esparsa, fumo ardente, incisão de tábua ,

prego em brasa, olhar ausente,

era só fruto roxo do sono dos dias de parcas águas

ainda não era descanso de narceja marítima de sal e penas terreais,

ainda não era cinza de cobre vibrante, início de lume do tempo,

goma presa às mãos nos areais,

era só árvore dispersa orgulhosa de não se ver por entre as demais

eram anéis de fogo os frutos ainda vivos, por entre as hastes, na dispersa folhagem

só cantaram, dançaram esses frutos no vento, o sol sempre no seu brilho pendular

por entre as folhas e hastes na madurez estival,

onde esquecidas de onde em cada um, chorava seu pingo o mel adiantado,

o mel maduro, o leite ainda seguro do tronco vibrante e carnal

havia a loba atlântica do ar, a loba de seiva dava-se a uma boca absoluta,

os moscardos do longe convocados esgrimiam asas de ouro apartadas,

ainda eram os frutos de unidade ameaçada sob os soluços do mundo,

os riscos do sol , a brevidade das tardes, o mel do luto maduro

daquela árvore , forca ancestral, loba vadia maré dos impolutos

só, sem sombra de passagem de forasteiro ou de animal veloz ,

era só relâmpago, estilhaço de vidro frio e vermelho aquela árvore

longe do olhar , sagrada de se elevar do chão ao ar,

e de noite se contentar com o uivo dos cães que tremiam de luz

esperavam , desertavam de manhã ainda a uivar a loba do mel,

a dos frutos despedaçados como setas no negrume escondido

de um coração vibrátil, irrequieto e de lutos numa janela de água pouca,

era quase mundo num voo de estorninhos,

procurando lugar onde nada ameaçasse uma noite azul de luz

por entre árvores de porta e telhados feitos de rubi, ainda eram os cães

o som do mundo

e ao longe , era o silêncio entre as hastes frustes derrubadas na melancolia dos arbustos

era só um nome, um desastre fundado numa ilha , o sol pungente irradiava lonjura

no limbo crescente da cadela no areal , o cadela do meio-dia ,

o chão frugal de latidos, o chão prodígio

erguidos cachos de nuvens davam esperas,

pressentiam juízos,

era só uma figueira irmã separada dos trigos

que vivia só e dispersa, sabiam os frutos à mãe loba atlântica

a que dava leite verde , a que dava leite maduro a que conhecia as provações

dos frutos sozinhos soalheiros e enxutos



José Ribeiro Marto

20 novembro, 2008

A Rosa de Sharon



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óleo de Margarida Cepeda




e eu que aprendi quase tudo e nenhuma coisa
sobre a vida e sobre a morte
sobre os rostos que me rodeiam
e alguns deles me atiraram pedras ao coração

quando à luz da noite me deito
extasiada pelas chamas do fogo
que me consumiram as mãos
já não sinto dor:
estou dentro dos teus olhos.

faço parte dessas longas chamas
como de uma confidência
esperando que apareça o outro Sol
e não pergunto ao mendigo como se sente
nem ao cego como vê nem ao que não anda
porque ficou na estrada
eu própria me converto no mendigo e no cego
e no que ficou preso aos seus próprios pés.

por isso sonho descobrir todas as estrelas
que me cairam do firmamento
e faço parte como vós dos raios da aurora
das cores imensas do arco-íris e do vento
das montanhas e das serras
dos ecos e das visões
dos misteriosos rios que passam pelas aves e pelos homens
do desfile admirável das formigas
que me arrancaram as lágrimas e agora correm
como tesouros guardados na terra em areia húmida

desejo ver-me reflectida nos olhos das crianças
contemplar a minha irmã palmeira que voou da minha infância
para ficar aqui junto a vós no meio da página
onde vamos explodindo todos juntos na poeira

tudo isto sinto quase ninguém vê
e não pergunto nada
de cada encontro guardo um tesouro
e devolvo-o porque se mudou para o nosso comum destino
ao vaguearmos pelas praias com seus antigos náufragos

e o que encontrei é como um pássaro antes do amanhecer
a Rosa de El Sáron que não conhece Ocaso

inclinando-se a teus pés no aroma mais doce



Maria Azenha

18 novembro, 2008


UM PÉ NO PAPEL


sob a hora translúcida
no ar um dia
a flor revelará a animalidade do sonho
nos seus órgãos, na sua escabrosa essência
amedrontando o ser de espuma
a fugir da saliva

uma nuvem amarela nesta hora o ar intacto
ar que o pânico meridional enrijeceu
avesso aos brônquios duma manhã crepuscular
uma nuvem como longa-metragem ionizada

se um homem decide clarificar a sangria do sol
experimentando visões do grande incêndio
sabe à partida que deverá amar o escuro
e libertar-se nele incondicionalmente

«uma floresta resplandecente sobre o cinzeiro»

ao vê-la desdobra-se na ascensão rápida da ideia
músculo do sonho e corola da flor
também o fumo se criva pelo crepúsculo

um pé no papel ● a página pelos joelhos

designa «floresta» o que vê este homem
de vento os gestos e o porquê das mãos
experimenta o exílio gasoso da palavra
o pé soluça e verbaliza a vontade
o corpo cai e instrumentaliza o sonho

porque a palavra trará nova seiva
e essa seiva invadirá velhas raízes
porque essas raízes irrigarão outras vontades
que se acenderão no mesmo bolbo

ele veste o silêncio ● a flor abre-se no escuro

Porfírio Al Brandão
[Painting, Francis Bacon, 1978]

17 novembro, 2008

FOTOPOEMA


in «Na memória dos pássaros», I parte, poema 24, "Palimage Editores", Viseu, 2006
na foto: Erva-canária (Oxalis pes-caprae)

12 novembro, 2008

algum dia virá que seja natal entre os nós altíssimos do deserto

algum dia desflorará o poema da justiça que se preveja
nas palavras que se fizeram por dentro

e eu criança ainda cante aquém
e o meu canto coincida com o rubro das rosas que desliza.

mariagomes
Coimbra, 1Jan.2006

11 novembro, 2008

10 novembro, 2008

11º .em contr'[m]ão - o carnaval em veneza

tentou identificar.se nos olhares das mulheres
com que se cruzou
não foi capaz
nunca foi capaz de jogar pelo seguro
sempre preferiu o jogo perigoso
à facilidade servida em bandeja
hoje
arrependia.se do baralhar de cartas


...... encontrou.se algures no trajecto da aventura e
foi inventando mundos
...... aos poucos
foi aprendendo a substituir a realidade que
não lhe servia e
o mundo foi.se tornando
cada vez mais pequeno
o coração deixou de segui.la e
tudo começou a soar a falso

.................. o jogo da arbitrária mentira

...... continuou a manipuladora do charme
com que ganhou projectos
sorrisos
abraços
ficou nua
e
riu.se
senhora da carta
guardou o ás de copas para a última jogada
havia aprendido
com os profissionais da vida
a jogá.la quando tudo e
todos menos esperassem

...... foi lançando gestos
palavras
sons
imagens que não eram suas
criando fantasias
deixando a realidade cada vez menos clara
nada
a prendia ao dia a dia
foram os seus projectos que levantaram casas
...... foi a importância do não ser
que a fez correr de cidade em cidade
de abraço em abraço
de vida em vida
a misturar
como certas
as amizades encontradas

os papéis começavam a inverter.se

...... foi difícil reaprender
o que lhe haviam imposto
como verdades absolutas
ao longo dos anos

tudo não passava dum imenso bluff

a sua vontade
foi o fruto
seco
de tudo e todos
o medo
a fantasia despida no dia a seguir ao carnaval
a máscara ruiu e
veneza regressou

.................. sereníssima





-vladimir clavijo

gabriela rocha martins.

09 novembro, 2008

as pousadas

.

pousadas
no calor no estio
no pesado manto agostino
entre verdes ou areias
recortadas
pousadas sós
ou acompanhadas
repousos de esforços
e caminhadas
enleios de luas
enamoradas
pousadas.
cristalinas, de mármore
ou dengosas
amplas, estiraçadas,
preguiçosas,
recobradas ao sol
ou virilosas
nas lonas, urbanas,
com sais, a meias,
rurais, plebeias
em gangas,
majestosas
onde os francos flancos da argila humana
adoçam o sal
perfilam rosas
pétalas ternas
as duas
— quando pousadas —
as duas pernas.
.
.
.
maria toscano.
"monumentos e outras obras públicas: TOP 12 + " in Portugalito. Palimage, 2002.

06 novembro, 2008

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Sou um olho. Um olho mecânico. Eu, a máquina mostro-vos o mundo de um modo como só eu posso vejo. Liberto-me hoje e para sempre da imobilidade humana. Estou em constante movimento. Aproximo-me e afasto-me dos objectos. Rastejo debaixo deles. Movo-me colada à boca de um cavalo a correr. Caio e levanto-me juntamente com corpos que caem e se levantam. Isto sou eu, a máquina, manobrando entre movimentos caóticos, registando um movimento após o outro, nas combinações mais complexas.
Liberto dos limites de tempo e de espaço coordeno cada um e todos os pontos do Universo onde quer que eu queira que eles se encontrem. O meu caminho conduz à criação duma nova percepção do mundo. Assim explico de uma nova forma o mundo por vós ignorado"

Dziga Vertov *, realizador russo, 1923


Denis Arkadievitch Kaufman*
(Polônia - 1896 - União Soviética - 1954) Muito jovem ainda Vertov começa a escrever poemas e estuda música durante quatro anos. Com 19 anos começa a estudar medicina, na mesma época em que cria o "laboratório do ouvido" onde registra e monta ruídos de todo o tipo com um velho fonógrafo Pathéphone. É também nesse período que muda seu nome para DZIGA - palavra ucraniana que significa roda que gira sem cessar e VERTOV - do russo vertet que significa rodar, girar. Também se declara futurista, muito influenciado por Maiakovski.

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05 novembro, 2008

a resignação vem com a cegueira dos sentidos

Buganvília
Grande plano de uma bráctea de Bunganvília (Bougainvillea spectabilis) com duas flores.
Foto de Augusto Mota
.
.

.
no dia em que me esqueça desse Maio
com o qual me conformei a ser da terra
desde onde me insurjo, casa térrea
e brasa,
donde me ergo
inclusivé,
quando o sei
no dia em que me não lembre jamais
do braseiro do braço a mim abraço
do conforto endiabrado em cintura
colo carmim ancas de suco. mel
virilha assim no dia
em que de vez
perca a memória dos líquidos tais
dos acres e dos outros leites
mansos
no dia em que talvez nem o artigo
iluda forças convexas e as de concha
no dia em que tudo seja banal
o cheiro da almofada, o pó da sala
a cinza com cigarros que recuso
o copo onde bebemos
a saudade
o lençol resguardando as apetências
e uma volta na chave que vou dar
nesse dia sem sombras
pois sem luz
banhado pela cegueira dos sentidos
asseguro-te:
podes, por fim, esperar
de mim
a resignação.
.
.
.
maria toscano,
Coimbra, 6 /Nov/2008

TEXTO TRANSVERSAL

textos transversais 66

Que os dias prolonguem

Sumaúma-bastarda
Sementes da trepadeira Sumaúma-bastarda (Araujia sericifera) - foto: Augusto Mota

A pernoitar
a fala das palavras
que os dias prolonguem

a flor da saudade

o plâncton nas galáxias

os pássaros de fósforo
anunciando o espírito dos risos

e se entrelacem para destruir o vazio
e o ar todo se possa bordar
de rosas na penumbra
pulsões nocturnas
relâmpagos líquidos
em seu fulgor

ao longo da estrada
se esconde esta árvore
possivelmente
ao nosso encontro
o lilás reluz
os caminhos do céu algures
onde as lágrimas abordam os rios
E nunca mais voltam.

Graça Magalhães, Novembro 2008

04 novembro, 2008

UM SÓ VERSO

Serra
Serra da Estrela / Covão da Ponte - foto de Nuno Verdasca

Só de um verso, falo de um só verso, uma palavra
essa palavra anda dispersa e o verso anda à guarda


Só de uma palavra, creio numa só palavra para um verso
um verso de uma só palavra, a mais buscada


a que não cabe inteira numa mão aberta
a que corre por um nada e anda de luz a cantar o universo
a que murmura e se estende, a que voa e não se prende


uma só palavra, um só verso, uma palavra

a que é barco, sonho solto,rasgão de sol numa parede
a que deram a cor de azul
a que deram a cor da carne
a que é feita de àrduo mundo
eu a procuro nesta tarde

José Ribeiro Marto

TEXTO TRANSVERSAL

02 novembro, 2008

Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica 2009

Maria do Sameiro Barroso venceu a edição portuguesa do “Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica 2009" com "Uma Ânfora no Horizonte" entre os 86 originais concorrentes.
Este prémio, no valor de 2500 euros, instituído pela Câmara Municipal de Vila Real de St.º António, numa parceria com o Ayuntamiento de Punta Umbria e a colaboração de Sulscrito – Círculo Literário do Algarve, prevê ainda a publicação, em edição bilingue, da obra vencedora.
O júri do concurso recomendou ainda a publicação do original "Labirintos Cruciais"de Paulo Renato Cardoso.

Maria do Sameiro Barroso nasceu em Braga, em 1951. É licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade de Lisboa. Exerce a sua actividade profissional como médica, Especialista em Medicina Geral e Familiar. Fez a sua estreia literária em 1986, tendo sido incluída no Anuário de Poesia da Assírio & Alvim. Tem os seguintes livros de poesia publicados: O Rubro das Papoilas, Rósea Litania; Mnemósine; Meandros Translúcidos; Amantes da Neblina e Vindimas da Noite. Tem colaboração em antologias e em revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade alargou-se à tradução e ao ensaio, e, desde 2002, à investigação na área da História da Medicina.
Maria do Sameiro Barroso é ainda responsável pela organização das antologias Um Poema para Ramos Rosa e Um Poema para Agripina, recentemente publicados pela editora Labirinto.

Wanya - Escala em Orongo recebeu o Premio Juventude no FIBDA


É com enorme prazer que anunciamos o prémio que Wanya - Escala em Orongo recebeu ontem no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora.
O Prémio Juventude foi recebido por Maria João Franco, viúva de Nelson Dias e artista plástica, que esteve em representação do mesmo e também de Augusto Mota, autor do texto, cujas palavras aqui deixamos:

"o valor do álbum está no valor do grande desenhador que foi o Nelson Dias, sendo o meu texto, apenas, o possível guião metafórico para a época de opressão que, então, se vivia e fico muitíssimo satisfeito por mais esta merecida distinção ao trabalho do artista, que vem na sequência de outras homenagens que, de vários quadrantes, recentemente, lhe têm vindo a ser feitas. " - Augusto Mota.
Vejam [também] aqui a notícia .


01 novembro, 2008

ENCANTATÓRIA DO OSSO

«buscar-te até ao osso»
: mentira
porque a carne
só a tua carne me alimenta
o osso é uma desculpa
e quando digo: «amar-te até ao osso»
é porque tenho redondel na garganta seca
farto de te procurar no falso espectro da carcaça
enlouquecem as gengivas enroscadas na tua carne
quero-te num beber triunfal
enunciar múltiplos afogamentos no sangue esplêndido
esquadrinhar anatomias
irritar sílabas do corpo nossos corpos
domesticar a boca na planície
o mais selvagem possível
convidar sonos e adormecer na sangria dócil
da natureza
mas também ouvir-te falar do osso filosofal que perfuma
a mais vermelha das muitas carnes
e aí sim
recupero sentidos da limpidez mineral do osso
e procuro-o como coisa última que levo para a cama
com os dentes já enxutos
da tua linfa

[desenho e poema de Porfírio Al Brandão]