28 outubro, 2008

Agora percebo.

foto: Augusto Mota
É fácil suicidar
a porta de madeira
com o brinco de cristal
nalgum rosto de Lisboa
no mercado ou na catedral
onde a beleza não mora
nos nenúfares de Teresa

sorrio enfim
dentro da madrugada
sou um feixe de areia
uma estória algodoada
perdi a consistência da poeira
a razão dos líquidos
a procura das mãos
sobre a memória.

Agora percebo.

Graça Magalhães, Outubro 2008.

FLOR DA SAUDADE

Flor-da-saudade

Flor da Saudade ( Armeria welwitschii ) - foto de Augusto Mota

O nome Flor da Saudade foi dado a esta planta por Afonso Lopes Vieira, no seu conhecido poema "Pinhal do Rei", in «Ilhas de Bruma», 1917. Segundo a "Flora Digital de Portugal", da responsabilidade da UTAD, o nome vulgar desta planta é Erva-divina, ou Raiz-divina, sendo uma espécie endémica no litoral centro de Portugal, entre o Cabo Mondego e Cascais.
Esta foto foi obtida na duna primária, a norte do farol de S. Pedro de Moel, em frente da Praia Velha, mesmo ao lado da Estrada Atlântica.

PINHAL DO REY

Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar,
ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim...

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
Rei Dom Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vem as velidas bailar e cantar.

Encantado jardim da minha infância,
aonde a minh'alma aprendeu
a música do Longe e o ritmo da distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico órgão cujo além se esfuma
no além do oceano, e aonde a maresia
ameiga e dissolve a bruma
e em penumbras de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo...
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
teus velhos troncos de saudosos fremem...

Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar ?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é lo verde pino no mar a boiar.

Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhes deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos astros,
ó gótico Pinhal navegador,
nas naus erguida levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros...

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar ?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar.

Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade
;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os alens
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar...


in «Ilhas de Bruma», 1917.

Poema transcrito, como fixado, da «Fotobiografia de AFONSO LOPES VIEIRA», da autoria de Cristina Nobre, edição Imagens&Letras, Leiria, 2007.

27 outubro, 2008

Democracia


«A bandeira fica bem à paisagem imunda, e o nosso patoá abafa o tambor.
Nas metrópoles nutriremos a mais cínica prostituição. Massacraremos as revoltas lógicas.
« Nos países aromáticos e sem têmpera! – ao serviço das mais monstruosas explorações industriais ou militares.
« Aqui, e onde quer que seja, está tudo lixado. Conscritos de boa causa, será feroz a nossa filosofia; para o saber, uns ignorantes, para o bem-estar, uns espertalhões: para a marcha
Do mundo, implosão garantida. Este, o verdadeiro sentido da marcha. Em frente, toca a andar!»



« Le drapeau va au paysage immonde, et notre patois étouffe le tambour.
« Aux centres nous alimenterons la plus cynique prostituition.
Nous massacrerons les revoltes logiques.
» Aux pays poivrés e détrempés! – au service des plus monstrueuses exploitations industrielles ou militaires.
« Au revoir ici, n’importe où. Conscrits du bon vouloir, nos aurons la philosophie féroce; ignorants pour la science, roués pour le confort; la crevaison pour le monde qui va. C’esta la vraie marche. En avant, route!»



Arthur Rimbaud
In O rapaz raro
Tradução Maria Gabriela Llansol
Edição Relógio de Água


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Izithembiso Zenkosi - Various Artists

25 outubro, 2008

E nunca me disseram...

E nunca me disseram a pérola
ao fundo daquele oceano
a longitude do linho
no rosto das mulheres
como seriam os lugares do frio
no outro lado das palavras

o âmbar da pele

as pirâmides de papel

onde nada
nada
está intacto
na escuridão do cristal.

Graça Magalhães, Outubro 2008

o porte do pastor muchilengue

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«Era um menino que gostava do mato mais do que gostava de brincar com outros meninos. Para ele, fascinantes, eram as florestas que havia do outro lado do rio, as aves que viviam nas suas árvores copadas e os bichos que deixavam na terra os rastos que sabia seguir e que lia melhor que os livros em que os pais lhe ensinaram a ler. E o menino teve um amigo chamado Twakala, um caçador muchilengue que lhe ensinou os mistérios das matas e as encantadas magias que são também seus segredos e quando Twakala um dia partiu ele ficou sem ninguém para poder partilhar muitos outros segredos, mesmo o segredo em que se tornou o desgosto que depois aumentou por saber que Twakala não iria voltar dessa terra para onde o levaram. Com esse desgosto o menino cresceu. Sem Twakala as matas pareceram fechar-se envoltas em densos mistérios e assim correu algum tempo para o menino encontrar em última a coragem que o fizesse passar da margem do rio que já era dos homens para as terras que ainda eram dos bichos.»

'A Morte e a Sorte'

Autor: Fernando Santos
Editora: Quetzal
Extraído de 'O citador www.citador.pt



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24 outubro, 2008


por que me procuras nas lágrimas do sol?
em si, ele é o novíssimo meneio da saudade
- sem remos a envelhecer os rumos.

por que me deixas, só, entregue a seus cuidados,
sem cais, sem ver partir as velas?


mariagomes
23out.2008

20 outubro, 2008

regressa o outono

Estames de uma Açaflor, ou Açafrão-verdadeiro (Crocus sativus)
foto: Augusto Mota

regressa o outono às nossas mãos
e mais uma vez é preciso aprender a desnudez,
o amor do ouro,
o gesto antigo da luz nos plátanos da voz,

abrir a sua incendiada rosa
em cada iluminado mês

maria azenha

19 outubro, 2008

Escrevo no vento.

Pinheiro-serpente / Pinhal de Leiria - foto: Augusto Mota

Sublimando fantasmas

Volto a estalar
a estima suspensa
num baile de agulhas.

Sobre cordéis de sol
esconde-se a brisa
no sorriso das lâminas
e há palavras cortantes
como o vento nas montanhas
onde rugem as florestas
enraivecendo
o tecido estranho dos dias.

Escrevo no vento.
E vou-me nascendo
Em cada incêndio.

Graça Magalhães

Outubro, 2008

18 outubro, 2008

Lisboa Revisitada

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.
.
estrangeiro em lisboa, venho aqui para descobrir
bach nas avenidas novas e algumas mulheres sentadas
nas escadinhas do duque. esta é uma cidade odiosa, de tão branca
que é – e suja, sempre a lembrar-me do que devo esquecer
neste rio sem naus, mas cafres insuperáveis. o certo
é que durmo na travessa dos fiéis de deus, com frio, e agastado pelos
ruídos da praça, enquanto tu, camões, pareces impassível à arruaça
e na tua sereníssima imanência nem dás pela promiscuidade citadina.
odeio, abomino esta gente que não me olha nos olhos, e tem, 
abertamente, um linguajar de réptil, sem matriz, catedral, 
solenidade: anda na rua como se fosse cega e acresce ao desvario um 
esbulho de luz incoincidente com a minha, intratável, entoação
nortenha, que, talvez, ao antónio barahona não destoe, já que pede 
por nós em grego, e aramaico, e árabe. lisboa, a estas horas, nem 
sabe o que é chuva, água, tejo – ocupada nas compras e sem novas de 
ulisses, ou das barcas, vibra de cheiros maus pelas vielas, que o fado, 
de alguidar e faca, mais arrevesa do que sabe aproveitar.
como viver aqui me é desconcerto e acirra a vontade de morrer: vejo 
este pessoa de bronze à porta dos cafés, a ser contaminado por uma 
freguesia tão absoluta e primitiva que lembra o estado novo, que 
vomito, vomito como um corvo.
se por este caudal viesse, ao menos, o cesário, talvez transfigurasse a 
aversão em poema e o sarcasmo alinhasse na rua do trombeta algum 
montante de ternura avulsa. mas não. eu até em telheiras não estou 
bem, esse lugar de múltiplos desgostos, onde perdi, além do amor, 
um cão, um cão quase redentor. ah, lisboa: hoje, às três e meia, vai 
pelo mundo uma promessa de orgasmos pela paz universal e de ti 
nada se espera, alheada que estás das coisas transcendentes, com a 
cauda entre as pernas e o olhar sem olhar o horizonte, onde uma 
virgem seminua de novo dançaria para ti,
se merecesses, ou a chulice encartada não prevalecesse. tivesses tu 
coragem e ias a s. bento queimar o molho aos torvos que, para seu 
governo, nos andam a tramar, ou viravas a mesa, ou partias a louça, 
desterro nosso sem qualquer desterro.
serias, por uma vez, implacável, a fazer corpo com o futuro, em 
nome do que vale, sem misérias ocultas e esperança justa. mas não. 
tu só te agastas pelo que é inútil,
com poesia melíflua do quotidiano e centros comerciais a liquidar 
enigmas estúpidos. olha as pontes, lisboa. olha, lisboa, os teus 
subúrbios. há mais beleza na pedreira
dos húngaros, ou nas arribas de cacilhas, que tudo em volta do 
castelo, salvando-se, talvez, pelo sortilégio, são domingos e as 
paredes calcinadas, vítimas de um terramoto, onde eu, às vezes, vou, 
não para falar com deus, que não existe, mas para apreender
um pouco mais de bach, na parte que lá mora, e ver, ao alcance da 
mão, outras mulheres sentadas. é pena que o bocage, lisboa, cá não 
esteja: cansado da bicheza, por certo encorajava diogo alves a 
regressar do enforcamento para dar continuidade às obras
de limpeza a que deu início com a quadrilha, ali para o aqueduto, 
para acabar de vez com a cidade branca, deserta, a matar à nascença 
os távoras que pode, ou quem resiste. pergunto pelo almada e venho 
vê-lo a alcântara, ao cais de embarque, à margem de belém e os seus 
pastéis, de nata e presidência: apaziguam-me mais estes painéis,
de alvoroçada partida e descoberta, que uma ida à gulbenkian, ou ao 
príncipe real, se bem que nos seus jardins a noite se suspenda e um 
sortilégio vele, entre os ligustros, a noite imensa. mas o almada não 
era de lisboa, tal como não era o botto,
(ou o herberto, a natália: gente de ilha/ gente de quilha, digo eu,
que também fui concebido numa ilha do porto, e se quisesse não, ah, 
não enlouquecia), tal como não são de lisboa os habitantes de lisboa,
ou nós, artistas desta hora, que, não sendo de alguma parte, vamos 
da graça a alfama
com o coração apertado, num vinte e oito que nunca tem destino.
ah, que desgraça não sermos de saturno, que desgraça a nossa 
transcendência não ir além da gare do oriente e ter que estar sujeita
a um restelo de velhos e furores adolescentes, sem génio nem 
remoque, mas sempre, e só, tormenta. é que
de adolescentes nem é bom falar: à luz do lampião, eu vejo-os pelos 
bares a cair de bêbados, sem mãe que lhes acuda, ou tirocínio, que o 
mais que sabem é exctasy e shoots, assim, em inglês, já que ler e 
escrever no idioma de que são lhes passa a milhas, no caso 
americanas: as jeans puídas e os cabelos soltos, que não vêem sabão 
vai para semanas, a beneficiar, sem que o suspeitem,
o neo-liberalismo, são o sem sentido de uma rebelião
sem turbulência, manada para abate um dia destes. e quanto a 
velhos, estamos conversados: a vetustez de oitocentos anos, nem para 
os sapatos mija,
ou desfeiteia viúvas, de pátria ou sordidez. ah, lisboa, nem o putedo 
infrene dos teus becos é valia que baste. eu, que não sou cliente, 
atrevo-me a dizer
que não há puta mais repugnante que a puta de lisboa, sendo lisboa
a puta desgrenhada que se vê, que nem um bom mergulho purgaria
ou, ainda que por empréstimo, poria algum feitiço langue, ou 
dengue, ou o que fosse. mulher sentada que valha em lisboa é, tal 
como eu, estranha a estas paragens:
falo de uma eslava que conheço, que é bela como a planície 
alentejana, assim como são belas as cabo-verdianas que se sentam na 
relva para que o esplendor coaja – coaja
e ponha em marcha – a indizível matéria do desejo. um poeta cai no 
seu campo electromagnético e é como se entrasse no mar ou no 
regaço de um sonho onde a canela, a mandrágora e o rábano picante 
se reunissem para um manjar de deuses, irrecusável. detestável 
lisboa, que posso mais dizer para contrariar-te, mesmo a pagar 
imposto, com e sem valor acrescentado, além da derrama? desde que 
o fialho de almeida se foi que os teus gatos, lisboa, são ramelas 
andantes, a comer do próprio vomitado,
sem miados à lua e cenas langorosas nos telhados, a incentivar 
amantes. há, é claro, as coisas do botelho, onde tu, lisboa, talvez 
não por acaso, apareces vazia no retrato,
sem notícia do ajuste de contas necessário com os cobradores de 
impostos, as raparigas de cabeças ocas, os rapazinhos lúbricos dos 
ginásios que se enfeitam para os rapazinhos lúbricos dos ginásios, as 
matronas do chá, que enfermiços canídeos arrastam pela trela,
os homens de negócios, cinzentos, como sempre, a traficar crianças e 
assassínios, e os cônsules, os tribunos, os pretores, e até com os sem-
abrigo, que dormem nos portais e perderam, entre tudo o que há 
para perder, a clareira após o abandono.
há, é claro, esse secreto adeus do baptista-bastos, a enredar real na 
realidade e a viajar por uma deriva ignóbil, nas ruas da amargura, a 
fazer do obsceno obra acabada, como só pode ser o que é do homem. 
há, é claro, o gomes leal, o o’neill,
ou o cardoso pires, com anjos escarlates a tremeluzir nos céus, por 
pura limpidez de sensualidade e ancoragem terna. mas tu, lisboa, 
não podes entender a aristocracia que há no povo, não podes crer no 
poder da arraia-miúda proto-contemporânea,
nem mereces o vítor silva tavares, a congraçar a emenda e o soneto, 
sem mais tristeza possível que a dos barcos atracados no cais das 
colunas, agora inexistente, pelas obras do metro, a nova santa 
engrácia. melhor fora, lisboa, que fosses moura, ainda, e que às 
trindades se não ouvissem sinos, mas o sumptuoso grito do 
almuadem. ouvindo o chamamento, sabendo que a cotovia convocava 
à oração, ias, por fim, lavar-te.
e, assim, lisboa, talvez fosses o brilho verdadeiro de que brilhas 
ao sol, como uma ave – muita branca por fora, muito negra, por dentro.
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Amadeu Baptista 
(Poema lido pelo próprio aquando da apresentação dos seus 3 últimos livros - na Fábrica Braço de Prata e na Fnac do Chiado, Setembro/2008).
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A Outra Cidade - Ritsos

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Há muitas solidões cruzadas — diz — em cima e em baixo
e outras no meio; diferentes e semelhantes, forçadas e impostas
ou como que escolhidas, como que livres — mas sempre cruzadas.
Mas, no fundo, no centro, há apenas uma solidão — diz;
uma cidade vazia, quase esférica, sem quaisquer
anúncios luminosos multicores, sem lojas, sem motocicletas,
com uma luz branca, vazia, brumosa, interrompida
por centelhas de desconhecidos semáforos. Nesta cidade
habitam desde há anos os poetas. Caminham silenciosos de braços cruzados,
recordam factos imprecisos, esquecidos, palavras, paisagens,
estes consoladores do mundo, sempre inconsolados, perseguidos
pelos cães, pelos homens, pelos vermes, pelos ratos, pelas estrelas,
perseguidos até pelas suas próprias palavras, ditas ou não ditas.
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Giánnis Ritsos. "Antologia."
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Selecção, Tradução e Prefácio de Custódio Magueijo.
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Fora de Texto, Coimbra, 1993, p. 91.
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(abraço da mt)

Herberto Helder


O novo opus de Herberto Helder, A Faca não Corta o Fogo – súmula & inédita (Assírio & Alvim).
Eis três dos poemas inéditos do livro:


a vida inteira para fundar um poema,
a pulso,
um só, arterial, com abrasadura,
que ao dizê-lo os dentes firam a língua,
que o idioma se fira na boca inábil que o diga,
só quase pressentimento fonético,
filológico,
mas que atenção, paixão, alumiação
¿e se me tocam na boca?
de noite, a mexer na seda para, desdobrando-se,
a noite extraterrestre bruxulear um pouco,
o último,
assim como que húmido, animal, intuitivo, de origem,
papel de seda que a rútila força lírica rompa,
um arrepio dentro dele,
batido, pode ser, no sombrio, como se a vara enflorasse com as faúlhas,
e assim a mão escrita se depura,
e se movem, estria atrás de estria, pontos voltaicos,
manchas ultravioletas a arder através do filme,
leve poema técnico e trémulo,
linhas e linhas,
línguas,
obra-prima do êxtase das línguas,
tudo movido virgem,
e eu que tenho a meu cargo delicadeza e inebriamento
¿tenho acaso no nome o inominável?
mão batida, curta, sem estudo, maravilhada apenas,
nada a ver com luminotecnia prática ou teórica,
mas com grandes mãos, e eu brilhei,
o meu nome brilhou entrando na frase inconsútil,
e depois o ar, e os objectos que ocorrem: onde?
fora? dentro?
no aparte,
no mais vidrado,
no avêsso,
no sistema demoroso do bicho interrompido na seda,
fibra lavrada sangrando,
uma qualquer arte intrépida por uma espécie de pilha eléctrica
como alma: plenitude,
através de um truque:
os dedos com uma, suponhamos, estrela que se entorna sobre a mesa,
poema trabalhado a energia alternativa,
a fervor e ofício,
enquanto a morte come onde me pode a vida toda

*

aparas gregas de mármore em redor da cabeça,
torso, ilhargas, membros e nos membros,
rótulas, unhas,
irrompem da água escarpada,
o vídeo funciona,
água para trás, crua, das minas,
tu próprio crias pêso e leveza,
luz própria,
levanta-os com o corpo,
cria com o corpo a tua própria gramática,
o mundo nasce do vídeo, o caos do mundo, beltà, jubilação, abalo,
que Deus funciona na sua glória electrónica

*

rosto de osso, cabelo rude, boca agra,
e tão escuro em baixo até em
cima a linha
de ignição das pupilas
¿em que te hás-de tornar, em que nome, com que
potência e inclinação de cabeça?
o rosto muito, o ofício turvo, o génio, o jogo,
as mãos inexplicáveis,
a luz nas mãos faz raiar os dedos,
que a luz se desenvolva,
e a madeira se enrole sobre si mesma e teça e esconda a obra
e retorne e abra e mostre então
a abundância intrínseca,
porque se eriça num arrepio e se alvoroça
o espaço, e brilha quando,
no dia global,
espacial, no visível,
o caos alimenta a ordem estilística:
iluminação,
razão de obra de dentro para fora
— mais um estio até que a força da fruta remate a forma


enviado por Rui Mendes.

_________________________

há sol por entre nuvens, bocados anelantes, recortados fios disformes,
laços esvoaçantes,curvas de linho,deslizes leves ,pregos de fogo brancos.

passa avião zumbindo alto, rasga horizontes,tremem casas
desregram-se saltos esfuziantes, vibram montes,escorrem águas.

tu não sabes que rasgão dar na melancolia,
que prazo lhe conceder, que margem,
tu não sabes quem grita, o que soluça,o que lhe sobra do dias
não sabes por que se lhe levantam as horas,
se repelem os calendários, por que faz as coisas inúteis e vazias.

por que se distanciam os olhos num toque de imprecisão,
porque não te chegam as horas por que andam por que vão.

corro pela chuva,chegou Setembro com uma tapuana ainda verde,
chegou com o sol de intervalo, marítimo, desfolhado, outonal,
chegou no ápice do vento num mergulho fresco e denso,
no torso de fuga de um cavalo submerso de chuva,
ei-lo nas palavras fugidias, no fulgor, expande-se, dura
cavalgando ao alto o freiolume, de salto em salto
na cidade semi-escura,incendiada de gente
a murmurar corrente,ainda enxuto fugindo.

sei que chegou o Outono com uma rima amarela nas tapuanas,repito
sei que trouxe um poema intenso
com palavras hoje horas, amanhã águas beijadas.

vives no descaso com o intenso
com o que perdura, excede ,cresce , o que se ergue e breve permanece
como árvore à minha altura.


José Ribeiro Marto

TEXTO TRANSVERSAL

textos tranversais 65

17 outubro, 2008

As Romãs.


« Sois um jardim fechado,
minha irmã, minha noiva.
As vossas plantas são um pomar
de romãs com frutos excelentes. »
*
CÂNTICO DOS CÂNTICOS 4:12-13
***
imagem: " Romãs" de Salvo RUSSO - 1997 - " O cesto de vime (...) está cheio com frutos que, tradicionalmente, simbolizam a deusa do Amor. Uma romã, flutuando no céu, ocupou o lugar da lua ascendente, significando que esta é uma noite para o Amor " - in « flora» de Edward Lucie-Smith.

15 outubro, 2008

gránulos

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tender la mano hacia el vientre de tu verbo.

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sentirle en cálidos gránulos tu palabra.
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tender al mundo el cáliz de tus silencios donde resuenan los lábios del poema.
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tender la mano y, en la mano, sentir tu verso

así, seguro, el mundo entero perdonaría toda la prosa o metáfora de pobreza.
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coimbra, 9 Out/2008
maria toscano (Grata a Diana P)

respostas - 2.

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porque os humores da serenidade estão vivos
sente-se
em arrepio
a pedra enternecida
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move-se
em fonte
a borda do coração
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da loucura, seca, não restam gotas.
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à beira do calendário
as cinco bicas
jorram-se em caminhos do silêncio.
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e tudo o mais é vida.
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maria toscano
Coimbra, Jardim da Manga, 20 Set/ 2007

respostas - 1.

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quantos são os humores da serenidade?
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pensou. na borda do lago das cinco bicas.
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como se move o coração das coisas?
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onde se guardam as provas do dia-a-dia?
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quem acarinha a ternura das pedras?
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quando se abre, amplo, o horizonte?
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por que enlouquecem as palavras mudas?
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calou.
à beira da seca fonte das bicas.
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maria toscano
Coimbra, Jardim da Manga, 20 Set/ 2007


14 outubro, 2008

TEXTO TRANSVERSAL

texto transversal

infinitamente





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conheço os campos da voz. cada grão
de areia do teu nome.
sou um relâmpago ferido que se move
para os grandes bosques do silêncio,
meu peito levanta-se e cai infinitamente só.

há um búzio triste no crepúsculo das ilhas

quando fecho os olhos, chove




maria azenha


13 outubro, 2008

ser poesia







27 de julho de 2008
ao vicente

assinalo uma folha uma palavra um poema e
disponho.os sobre a mesa . retiro

o primeiro verso

escrito aquém da bruma . o poema pressente

o golpe . grita mutilado . exige.se
em corpo inteiro

.
.

a chama
esse sopro de genialidade
que o precede no útero materno
estende um braço uma mão
dois dedos e
à saída do ventre
abriga o verso

em ritmo doloroso

a forma mais nobre de parir o poema









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01 Bobo.wma -
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11 outubro, 2008

Eduardo Lourenço - Mérito Cultural

"No decurso do Congresso Internacional Eduardo Lourenço - organizado esta semana pelo Centro Nacional de Cultura (CNC) e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) - o ensaísta Eduardo Lourenç foi, na segunda-feira, agraciado com a Medalha de Mérito Cultural, atribuída pelo Governo português.
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A Medalha de Mérito Cultural foi atribuída a Eduardo Lourenço como agradecimento e homenagem do Governo ao ensaísta e filósofo, de 85 anos."

(JN - clicar no título deste post para aceder ao texto integral)
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Obrigada, Eduardo Lourenço, por nos ajudar a compreender melhor este país e o mundo!
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abraço da mt

Os Modelos - Yannis Ritsos

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Não esqueçamos nunca - disse - as boas lições, aquelas
da arte dos Gregos. Sempre o celeste lado a lado
com o quotidiano. Ao lado do homem, o animal e a coisa —
uma pulseira no braço da deusa nua; uma flor
caída no chão. Recordai as formosas representações
nos nossos vasos de barro — os deuses com os pássaros e com outros animais,
e juntamente a lira, um martelo, uma maçã, a arca, as tenazes;
ah! e aquele poema em que o deus, ao terminar o trabalho,
retira o fole de junto do fogo, recolhe uma a uma as ferramentas
dentro da arca de prata; depois, com uma esponja, limpa
o rosto, as mãos, o pescoço nervudo, o peito peludo.
Assim, limpo, bem arranjado, sai à tardinha, apoiado
nos ombros de efebos todos de oiro — trabalhos de suas mãos
que têm força, e pensamento, e voz; — sai para a rua,
mais magnífico que todos, o deus coxo, o deus operário.
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Giánnis Ritsos, "IX- Repetições", in Antologia. Selecção, trad.  e prefácio de Custódio Magueijo. Coimbra: Fora de Texto, 1993, p. 106.
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com Abraço da mt


FEBRE TIPÓIDE

alguém anda enganado neste mundo
tipo eu ou um outro talvez não sei
sinto-me mal tipo vou-me embora
apanhem-me as sandálias e por favor
mergulhem as bolachas no leite fresco
e dêem-nas ao gatinho a miar desalmadamente
perdido da mãe tipo na extremidade do carril
agora percebo o brilho da madeira no livro
viajar tipo correr as páginas até à exaustão
e miar feito gato à espera das bolachas
com medo dos cães tipo polícias do futuro
alguém enganado? todos tipo humanidade inteira
agora compreendo céline e a sua inquietação
azedume tipo ácido sulfúrico aspergido
venham julgar-me neste estado debilitado
estou doente tipo quarenta e dois graus de febre

Porfírio Al Brandão # 2008

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10 outubro, 2008

na esteira de Pessoa


[120 anos de nascimento de Fernando Pessoa]


um poeta finge . se finge
realiza.se em ser Poesia
no encontro dos seus pares –

[magnificat]

os vagabundos de palavras

gabriela rocha martins
( imagens retiradas da net ).

08 outubro, 2008

Saudade


Tenho saudades das coisas simples
das férias sobre a areia
e de ver como tu eras
de vento nas falésias
saudades da névoa
no rosto das manhãs

de brincar aos deuses de areia
na luz das noites marinhas
de abraçar as gargalhadas
a doer o eco da casa
onde vive efémero um rosto
que não habito.

Já não há mãos que falem comigo
e nada me parece humano
de tão divino
e volto a desistir
a ser só poeta
por isso vejo tudo
o que parece
e é como se cada imagem
pudesse escrever uma nascente.

Graça Magalhães, Outubro 2008

06 outubro, 2008

05 outubro, 2008

UM PÁSSARO NO JARDIM CESÁRIO VERDE

ao meio dia o relógio suspende a hora
no jardim Cesário Verde ouço alegria
é um pássaro insisto nas suas penas
quero inscrevê-las na minha retina antiga
onde outros florescem e ninguém os vê


sei-lhe o nome na paisagem e na árvore
sei-lhe o voo as rotas as inquirições da tarde
sei do pouso em que se acosta o sol em que perdura e arde


e todos os pássaros são aquele
que canta e prolonga o seu cantar pelo dia

é verde por entre a quietude da folhagem vermelha e amarela
canta o dia canta alegria de estar por entre os segredos
o nome não o digo pode morrer
haverá solicitação papel atento
máquina fotografia o perigo à espera
haverá querer apagá-lo basta a fonte de um ouvido

o pássaro pode morrer no nome pronunciado
de o soletrar de o dar a ouvir
por isso o ouço em silêncio desinteressado
não o pronuncio não o digo

o pássaro continua a cantar no meu silêncio
e canta canta
é um cantar de vidro
e é toda a minha infância no cantar dele
que a minha pele chega a doer
ao sol do meio dia

José Ribeiro Marto

O Olhar da Distância


Para Fiama Hasse Pais Brandão
e Maria Teresa Dias Furtado


As barcas partem sempre novas, renovadas.
No fôlego que habitou a noite,
a errância expandiu-se, talvez se expanda ainda,
sob as ondas que gritam mais alto
o sussurrar do vento.

Na sumária distância, a retina regista pausas, letras,
frutos e raízes que a serenidade transporta,
porque a amizade bebe as suas águas,
no silêncio sagrado,
bálsamo luminoso que mitiga a dor,
em seus lagos perenes, em seus laços incólumes.

Sobre relógios aquáticos, flutua um rosto,
uma mulher, o seu nome é fábula,
o seu olhar, talhado nos versos da natureza,
paira nas florestas,
onde os pássaros cantam ainda a noite antiga.

No labor oculto, o destino tece, destece,
sob o olhar que escurece,
as recordações recolhem a água, o rosto,
o mundo, o seu sorriso,
e o olhar de Medeia aparece, impresso

no coração das folhas rubras.

Maria do Sameiro Barroso


-mikel arrazabalaga.

03 outubro, 2008

brandas águas bebi de olhos abrasados;
sepultei o pranto,
sepultei a súplica, o sopro, a música
e o mar…

todo o espaço é alvo, todo o céu
aguado.

mariagomes
30Set, 08
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01 outubro, 2008

IV Jornadas Aquilinianas


fotos de arquivo - Matilde Rosa Araújo e Aquilino Ribeiro

IV Jornadas Aquilinianas - 10 e 11 de Outubro de 2008

Solar do Vinho do Dão, Viseu

O Centro de Estudos Aquilino Ribeiro (CEAR)promove nos dias 10 e 11 de Outubro de 2008, no Solar do Vinho do Dão, junto ao Fontelo em Viseu, as IV Jornadas Aquilinianas
ERA UMA VEZ!... HISTÓRIAS DE ESCREVER E DE CONTAR - dedicadas à Literatura Infantil.


O dia 10 de Outubro, 6ª feira, está reservado às crianças!
O Solar do Vinho do Dão transforma-se numa casa de histórias com diversos contadores, merendinhas e oficinas criativas!


O dia 11, sábado, será dedicado aos adultos, com diversas comunicações sobre o mundo da Literatura Infantil, e em que faremos uma justa homenagem a Aquilino Ribeiro e a Matilde Rosa Araújo.

Matilde Rosa Araújo e o filho do escritor Aquilino Ribeiro, Eng. Aquilino Ribeiro Machado, também estarão presentes neste dia.



Sílvia Laureano Costa
(Centro de Estudos Aquilino Ribeiro)