29 setembro, 2008

O REPOUSO DAS TESOURAS VINDIMEIRAS

O REPOUSO DAS TESOURAS VINDIMEIRAS
foto de Cristina Pires / Douro, Setembro, 2008

27 setembro, 2008

O QUE ESTÁ ESCRITO NAS ESTRELAS

O QUE ESTÁ ESCRITO NAS ESTRELAS
Capa do álbum (29,7 x 21 cm)
De JOSÉ CARLOS FERNANDES - consagrado autor de Banda Desenhada, que faz parte de uma nova geração de autores preocupados com uma acção mais interventora junto dos leitores, ao problematizarem temas e problemas que hoje afligem o corpo e o espírito da sociedade - foi publicado em Março deste ano, este belo álbum, que não é de BD, antes, nas palavras do autor, em jeito de auto-apresentação, "um horóscopo de assombroso rigor científico".
Na página da esquerda, com um sabor gráfico dos velhos almanaques, está sempre um pequeno texto, de pura criação literária, dedicado a um mês; à direita, a ocupar totalmente a página, a respectiva ilustração, servida por um traço sóbrio e cores despojadas, mas de forte impacto visual, acabando todo o conjunto por acentuar, ainda mais, o carácter intrigante das palavras.
É uma extraordinária viagem verbal e icónica através de todos os meses dos [Anos I & II] da intemporalidade. Os textos são peças de uma original mini-ficção, que, umas vezes correm nas margens da poesia, outras nos levam rio abaixo, na corrente impetuosa e subliminar das palavras, ao denunciarem uma vivência crítica da nossa própria existência.
Um livro a não perder, porque sai das margens da nossa minguada e repetitiva cultura paroquial.
Augusto Mota
Texto da contra-capa
Texto da contra-capa
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Ilustração do mês de Setembro, Ano II
texto SETEMBRO
Texto do mês de Setembro, Ano II

"Mulher e Eu". Entrevista e Exposição de Maria João Franco

Maria João Franco
"Mulher e Eu"
>Cartaz das Artes<



Entrevista a propósito da exposição
MULHER E EU
MAC-Movimento Arte Contemporânea
Lisboa
Cartaz das Artes TVI
pela jornalista
Filipa Faria

ESCREVENDO

sinto-me dentro da possibilidade de um poema e não há aqui ave ou pássaro a almejar liberdade, sou eu que voo sem a retórica dessas figuras, sou o que é maduro e periférico à luz dessas palavras

contra os muros também, essoutro reflexo vário , onde se diz sempre branco ou de pássaros nus

esse espaço de papel, onde se inscreve uma àrvore frondosa ou despida, nunca desgrenhada, arco de metal ardente, barco derrubado nas águas, nunca

a provir ao mesmo

hoje pontuo a respirar , só o parco , nunca o exultante, não há nada a esgrimir

avesso sou ao efeito agramatical, assintáctico , à sevícia do ornamento, à palavra de pedra, jogo de louros imperfeitos , comandos freáticos de linguagem, purga frenética distensão eléctrica

às vezes a rima solta, um respirar de ar, muito linguajar coeso, não toca.

é-me a roça de um cutelo o gesto preferido do talhista,

o que recomenda, talha, balança, embrulha , se refaz no troco e no assobio,

falo da carne morta, não da viva do Outono

de uma figura de retórica pululante como um enxame de cogumelos

na árvore , junto à base do estremeção de luz ou magro medo.

a paisagem apruma-se, afeiçoa os olhos aos quadrados dos canteiros,

as flores cintilantes não são nomeadas, são só flores

as àrvores são àrvores e todas nos talham na mesa antes da gaze ou do sopro higiénico

de um soluço periférico

não há, rareia o espaço para o fumo, a cerimónia é cada vez mais limpa

o corpo é cada vez mais cinza porque não lhe falhou prazer

porque não se desfez em artifício laboral, não foi prega

não foi adorno, véspera inquieta, dia ancestral , luz, mas poalha inaugural

sinto-me dentro da possibilidade de um poema e tudo o que respiro é sideral

ar , casas , tantas casas , asas muito altas sem salvação de esferas ,tudo na poética,

perfeitas armadilhas de mundo a várias cores e agora há que imaginar os seus tons a sua palavra difícil, o seu improvável calor

digo que não basta uma fonte e um bolero de arrebique , um torneado de vozes e das mesmas palavras

é Outono, gosto de romãs , sempre gostei de romãs e de marmelos só selvagens irradiando cor por entre as hastes verdes , vidros de garrafa

é Outono no calendário por que o Verão anda por aí a nomear-se,

anda por aí nos espelhos em frente, olhados dia a dia,

olhados do lado da vida, cheios de rumo indiferentes ao cascalho, ao lagarto que hiberna com o corpo cheio de luz áspera, mas diferentes na irrectidão de uma curva,

da luva , um segredo alheio, fazendo-se de renda e mealha , falta-lhe o orvalho, a cor é preto vivo , o pingo nasce de uma manhã

igual a tantas outras , irrepetível, e tudo o mais que de um momento é rimático, dizível

vivo no silêncio, mas talho-me de palavras crio-as na abundância para me calar

e a sós com elas me dizer ...

sinto-me na possibilidade de um poema e na espera de qualquer fruto sonolento do verão estelar macio do calor dos dias e de espera


José Ribeiro Marto


25 setembro, 2008

o mundo, Sofia

( a minha neta)


é teu o mundo, Sofia.
são teus o sol, a lua e o vento.
é tua a concha da canção do entendimento,
na fogueira, que fixa os olhos dos bichos, acesos,
na possibilidade da fábula nascida de palavra verdadeira.
é tua a planície, é teu o monte, é tua a flor que sorri à pedra,
são teus os pássaros voados no azul que medra, à passagem única
da música que se vê inteira. e será tudo, intimamente teu, Sofia, quando os olhos
da noite, repletos, projectarem sonhos de água no espelho do teu nome, em sabedoria.


mariagomes
21,jun.03



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Carta a Meus Filhos

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estropiados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.


JORGE DE SENA
(1919-1978)

"Fusilamentos", Goya.

23 setembro, 2008

Canção de Outono

foto:fernanda s.m.

Canto o meu amor por ti
quando no céu aparece
a estrela rara da manhã
e tudo o mais desaparece


Canto o meu amor por ti
tão quente ainda o sono
tanto mais de mim por ti
luz e inquieta no outono


Canto a manhã nos olhos
o sabor a fruta madura
canto o que o sol aquece
e insolente são perdura


Canto alegrias fugazes
no céu de nuvens da manhã
canto o que em mim desperta
o simples brilho da romã


José Ribeiro Marto


22 setembro, 2008

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OUTONO

OUTONO

poema de António Simões / foto de Augusto Mota
folhagem outonal de uma Liquidambar (Liquidambar styraciflua)

21 setembro, 2008

"september song"


foto e composição: fernanda s.m. / in - http://estrela-da-madrugada.blogspot.com/

20 setembro, 2008

No Jardim dos Livros*

tela de Adolf Gottlieb


Os livros são objectos aromáticos guardados nas estantes
da memória, sementes de orvalho, estrelas onde assoma o infinito.
Nos seus jardins de goma-arábica, com o céu nas margens,
verde, cor de marfim é a sua volúpia acesa,
a sua centelha branca, a sua seiva cor de sangue.

Luxurioso é seu corpo, o seu júbilo, a sua forma, o seu perfume,
onde a sede e a veemência se prolongam.
Na exactidão do seu lume, irradiam a luz, a cor,
a sua chama sempre viva.

Entre estrelas, dinamite, é lá que o coração dos seres respira
e o silêncio pulsa,
envolto na sedução da luz e dos oásis.
Com lábios de areia e musgo, é lá que bebo o mar, a luz,
a terra a apodrecer
― o corpo flutuando entre estrelas, madrepérola.

É lá que afluem objectos preciosos, roseiras, grutas, pirilampos.
Nas suas árvores de raízes negras, irreais,
assomam as fábulas, poemas, em taças volumosas,
transparentes.

Nas suas vogais, há cais secretos, nascentes ébrias,
fósforo incandescente.
Nelas se inscreve a língua arguta das pedras eloquentes.
No seu mar de peixes exóticos, espalham-se,
as lombadas da vida, as aguadas da morte.
E nada impede o coração, cotovia inadiada.

No seu murmúrio, derrama-se a vertigem em flor.
Maria do Sameiro Barroso
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* In Afectos, Labirinto, Fafe, 2006, pp. 23-25.

Homenagem a Figueiredo Sobral/45 anos de carreira de Albino Moura


Mestre Figueiredo Sobral


O MAC-Movimento Arte Contemporânea
convida para a Exposição de Homenagem ao Mestre Figueiredo Sobral
que inaugura no espaço MAC
Rua do Sol o Rato 9C em Lisboa
pelas 19 horas do dia 30 de Setembro de 2008.
Esta mostra estará patente até 31 de Outubro de 2008.


Na verdade, Mestre Figueiredo Sobral é um buscador incessante de materiais e de formas a fim de dar sentido ao seu universo estético como suporte do discurso moderno.
Quer utilizando a sua técnica dos relevos, cultivada desde os anos 60, em massa esculpidas num compromisso entre a pintura e a escultura de inspiração surrealizante ou de um realismo fantástico, ou quer expressando-se nas linhas simples de cores suaves das suas oníricas aguarelas ou materializando o pastel na criação esfíngica da boneca, no seu eterno feminino, ou nas visões cósmicas, Mestre Figueiredo Sobral configura a sua obra de grande qualidade no rigor e procura do surpreendente e do imprevisível.
O mesmo labor e criatividade se projectam na escultura que merece um lugar à parte na sua obra e na história da escultura portuguesa.
Com larga actividade em Portugal e no Brasil e noutros trabalhos monumentais, em lugares públicos espalhados pelo mundo, aplaudido pela melhor crítica, é tempo que Mestre Figueiredo Sobral ganhe o lugar universal que lhe compete.

O Movimento Arte Contemporânea (MAC) é o espaço cultural que neste momento, muito se orgulha em o ter presente, com a sua excelente exposição individual "A Pintura e a Escrita”.


Álvaro Lobato de Faria
Director coordenador do MAC
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A Pintura e a Escrita

«A pintura e a escrita» é o título escolhido para esta exposição de pintura de Figueiredo Sobral, no MAC - Movimento Arte Contemporânea, cumprindo um seu velho sonho de aliar a poesia e os seus escritores de cabeceira à sua arte pictórica e escultórica.
Deste modo, nestes 37 quadros povoam ecos de Eça de Queirós , em figuras representativas de uma sociedade de final do século XIX, onde a paixão, o vício e a ociosidade se entrelaçam em obras como A Relíquia, O Crime do Padre Amaro e Os Maias , cujo peso é bem sentido por aqueles que se intitularam a si próprios «Os Vencidos da Vida».
Mas ainda dessa época , o pintor é fascinado por Camilo , na ironia da Queda dum Anjo e, por essa personagem de Calisto Elói, o político provinciano, que vai deixando cair as suas asas brancas à medida da sua ascensão, tal como diria Almeida Garrett no belo poema , com o mesmo nome, que é aqui pintado a espátula e a escárneo.
É igualmente tocado pelo lado romântico de Camilo, em Amor de Perdição, nesse trio trágico-amoroso de Simão-Teresa-Mariana ou pela poesia de Flores sem Fruto de Garrett ou dos Sonetos de Bocage.
Mas é Antero de Quental , o seu companheiro das noites insones, atormentado entre a fé e a descrença num Deus que sonhou e que é corporizado em quadros como «Ignoto Deo», «Na Mão de Deus», «O Crucificado» e «Mater Dolorosa» ou nesse poema contundente e desesperado de Alberto Lacerda, «Deus é uma blasfémia», que o pintor intitula «Carregando a terrível pedra de Sísifo ….Ehh, humanidade!!».
No sentido crítico, mesmo no âmbito do sagrado, estão as suas preocupações sociais que são desmitificadas através da ironia, plasmada em tinta e pincel e ilustrada com poemas de Alexandre O’Neill ou de Manuel Bandeira. Num libelo contra a guerra erguem-se as vozes do poeta medieval João Zorro, ou de Fiama Hasse Pais Brandão.
O seu próprio lirismo de pintor-poeta é assumido em poemas como «A morte de Manolete» e «Histórias com gritos de sevilhanas», encarnando a História Ibérica e ecos de Guernica. Portugal e os seus mitos, D.Sebastião e Marquês de Pombal, ressurgem nas suas telas e na voz de Camões ou na sageza histórica de Latino Coelho. ´
A dimensão filosófica de Umberto Eco ou de João Rui de Sousa é captada na subtileza do relevo e da subversão da forma e da cor.
Erguem-se, num cântico de amor, D. Quixote e Dulcineia, celebrando o sonho e a aventura dos eternos amantes. A beleza da mulher e a sua nudez visualizam-se na beleza cristalina da poesia de Camilo Pessanha ou de Adalberto Alves. Natália Correia e Florbela Espanca sugerem o mistério do amor, corporizado pelo pintor na sua forma surrealizante e barroca de se exprimir.
E, finalmente, numa homenagem à mulher palestina e ao seu povo, Figueiredo Sobral dá vida ao poema de Mahmoud Darwish, (poeta palestino): «Juro!/ Que hei-de fazer um lenço de pestanas/ onde gravarei poemas aos teus olhos»

É esta a mostra que o Mestre nos tem para oferecer, numa fase difícil da sua vida, em que cada vez mais interioriza a sua visão do mundo, isolando-se para se encontrar a sós com a sua arte, num diálogo que só ele entende, como dádiva miraculosa e perene que os deuses lhe ofertaram.

Elsa Rodrigues dos Santos
Lisboa , 9 de Março de 2005

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45 ANOS DE CARREIRA. Albino Moura


Ao longo de 45 anos de carreira, Albino Moura tem vindo a ser um constante pesquisador das suas verdades, mantendo-se, no essencial, fiel a si mesmo, na sua poética lúdica referenciavel nos trajectos da infância pela representação da imagem da ternura e da inocência, em que a representação formal ilude o real, transportando-nos numa viagem lírica através do sonho, no amor simples das coisas e do mundo.
Espectáculo de infâncias revisitadas, simulando vivências em que a metafórica e opulenta “boneca” assume alegoricamente o papel de individuo, como se o mundo das pessoas e das coisas permanecesse imutável e alheio a todos os conflitos…

Nas palavras do artista percorremos o seu mundo: -”Nasci num meio muito pobre e de família humilde. No ambiente em que cresci, não havia nada de Arte, mas, como todas sãs crianças, aprendi a fazer bonecos, nem melhores, nem piores que os dos outros miúdos. Não sei o que me atraiu para a Pintura, só sei que cresci com o sonho de ser pintor, e que ainda hoje continuo a sonhar”. É este o mundo do “querer”, de imagens e memórias que Albino Moura transfigura e nos transmite na sua obra e nesta sua exposição, onde como sempre acontece, há um envolvimento simultaneamente terno e doce nas pinturas que figuram a condição do ser, remetendo-nos contudo para influencias anteriores em que podemos fazer notar uma referencia à obra lírico poética de um Cipriano Dourado que se torna uma evidencia conferindo à obra de Albino Moura uma subtil e lúdica sensualidade e beleza à trivialidade constante e constrangedora de um mundo que nos é dado viver.

Surpreendentes são os seus trabalhos, todos criados em gestos de quem procura regenerar as formas da vida, acrescentando-lhes outros valores estéticos e afectivos, sendo a sua obra um pacto de vida onde o encantamento e o amor coexistem.
As suas telas ecoam no olhar e na memória, dum inconsciente esquecido, mas latente em todos nós, como todos os simulacros com que nos confrontamos na infância através de jogos e simulações por onde perpassa um ante projecto de vidas e anseios, retidos porém no inconsciente individual e/ou colectivo dos “habitats”vários… Na nudez simples da sua poética plástica Albino Moura revela-nos o encanto de um homem simples que se denota numa harmonia total do sentido, dos sentidos assim realizados, como se o ser e o sonho se sobrepusessem num trajecto único do saber estar num mundo conturbado, mantendo-se vertical dentro das utopias possíveis pelas quais temos que lutar, sob pena de a nossa condição de ser pensante se deixar submergir por um “inferno” de realidades de um planeta que se autodestrói por outros imperativos que não dominamos.
Na força de ser ele mesmo e não outro, Albino Moura impõe-se pela autenticidade da sua arte sem fronteiras e sem tempo numa reconstrução constante de realidades e afectos ultra humanos que mantêm aberta uma janela sobre um mundo passível de ser por todos nós desejado.


Álvaro Lobato de Faria
Director coordenador do MAC-Movimento Arte Contemporânea

19 setembro, 2008

ACASO

acaso

Augusto Mota, in «A Geografia do Prazer», inédito, 2000 ( texto 53, 10.3.1999 )
foto, com manipulação cromática e texturizada, de um ramo de Buganvília (Bougainvillea spectabilis)

AS ASAS

as asas

18 setembro, 2008

-27 de julho de 2008 // ao vicente

assinalo uma folha uma palavra um poema e
disponho.os sobre a mesa..... retiro

o primeiro verso

escrito aquém da bruma..... o poema pressente

o golpe..... grita mutilado..... exige.se
em corpo inteiro

.
.

a chama
esse sopro de genialidade
que o precede no útero materno
estende um braço..... uma mão
dois dedos e
à saída do ventre
abriga o verso

em ritmo doloroso

a forma mais nobre de parir o poema

telas de alfred thompson bricher e arthur quartley.

16 setembro, 2008

Sem costuras a paisagem

a usura dos campos a usura daquele campo de tantos campos

um soluço de sangue na paisagem


paro escuto nas paredes brancas as hastes dos lutos dos arbustos

derramados sobre os muros

fujo e que adianta

já cantou uma avezita assanhamento

na lonjura do carro


tudo perdido e a rebater-se nos ouvidos

tudo tanto e menos quem fala aqui

estou só no lés a rés

o trilho velho do pastor da cabra só réstea de tanto sol

o cão vermelho assinalava parando a espaços um latido muito aquém dos nómadas

só sombra

um rapaz trouxe inocência na abertura do postigo da porta

mostrou uma faca nas mãos nuas desafiando dedos

e veio um grito fundo de dentro :


brinca com a caixa azul

a faca brinda-me os calos

brinca com a caixa


respira o búzio repousa no silêncio dos dias



há o mar


lembrava que havia o mar gritava

o grito não podia matar a surdez daquele casulo de mundo

sempre intenso cá fora na corrida do cão adiante da cabra e do velho

o velho parado a cabra andando farta de caminho

o velho de amplo assobio duas chamadas mansas tudo parado

dava voltas de pau inusitado aos arames presos no pneu

no baixio do descampado

depois seguia

seguia um trilho passado e via passado

aquém-nómada aquém- mar aquém- terra

além duas árvores rugindo no esplendor do vento

nas asas dos pardais sobressaltados de retorno e migracões de horas

retorno á noitinha vindo dormir o sono dos trigais

à criança doía-lhe a casa como esconderijo dos dias do tempo

e preso á faca e á caixa do búzio ia a um mar perto ao som longínquo

nas mãos da avó as fotografias comidas pela madeira

a postura de parede os encaixes na moldura

O povoamento do tempo

e a criança tinha os olhos comidos pelos dias feitos noites e crescia na faca uma impressão também de noite muito rente a muita morte a porta fechada e

á loucura da passagem do homem e da cabra

veio um sobressalto e abriu o postigo

sem que a avó lhe gritasse é do tempo

é da mentira do tempo tão conjunta á verdade que se vai unir ao mar

escuta o búzio e distrai-te

José Ribeiro Marto

15 setembro, 2008

VARIAÇÕES SOBRE UMA FOLHA PRÉ-OUTONAL de LIQUIDAMBAR

Para a Graça Magalhães



O CANTO PRODIGIOSO

Quem o estaria escutando
ao pássaro prodigioso?
Pela janela entreaberta
o canto me chegava
- e subindo no ar,
impregnando-a
da sua breve eternidade,
sustinha a tarde que descia

e enquanto cantasse
era dia

António Simões, 1981 / foto de Augusto Mota, Abril de 2008

12 setembro, 2008

LAMENTO

Para a Fernanda Sal Monteiro


in «A Geografia do Prazer», inédito, 2000 / foto: fernanda s.m.

11 setembro, 2008

Nas mãos acesas


Todas as horas se acenderam naquele tempo
em que os pomares se alinhavam em parcelas
e corriam nuvens de algodão
com a forma de pássaros sobre as árvores
a emergirem das estações.

Queimava
este contentamento
de encher
as maçãs que colhias do peito
e se tornavam laranjas vermelhas
nas mãos acesas
o pulsar no meio dos troncos
o umbigo de alguns mistérios
entre nós
como jamais pudemos imaginar.

Graça Magalhães
Setembro 2008

TUDO SE DESPRENDE


tudo se desprende
uma pétala de uma comum flor
um selo de uma carta
um risco na data de uma lápide
uma pena de ave passageira
tudo se desprende

um supetão de lágrimas novas
o pó deixado no ar pelo cavalo
no areal de uma clareira
tudo se desprende

um verso de uma folha verde
um sorriso incerto e soalheiro
uma fotografia na folhagem
uma nota musical à margem da página
tudo se desprende

os dedos das mãos abertas
as palmas revoltas
uma pestana dos teus dedos
as minhas mãos nos teus cabelos
tudo se desprende
tudo se desprende

José Ribeiro Marto

10 setembro, 2008

SILICONE METAFÍSICO

Eu queria ser eterna

Como a Marilyn do ventilador

Queria o perfume e o calor

da areia nas coxas

e ser musa de algum pintor.

Não queria os espelhos

Nem a sabedoria anciã.

Queria não ouvir o odioso “senhora”

que o padeiro insiste em dizer todo dia.

Aliás, eu nem queria ir à padaria.

Marcia Frazão, Brasil, Setembro de 2008


Obs. Como aniversário sem presente nem bolo não é aniversário, que tal me ler de presente? Amor se Faz na Cozinha, da Editora Bertrand ou Senhoras do Santíssimo Feminino, da Editora Rosa dos Tempos, são dois livros meus que aconselho, numa boa.
mil luas
( Este é o "protesto" da autora por - ou para - comemorar o seu 57º aniversário. Vida longa à sua Poesia !!! a.m.)


Quatro novos poetas italianos



Na sequência da apresentação das Edições Torino Poesia em Paris (La Libreria), Amesterdão (Libreria Bonardi), Lugano (Postate), é agora a vez de Lisboa, no dia 18 de Setembro, quinta-feira, às 18:30.


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08 setembro, 2008

02 setembro, 2008

TEXTO TRANSVERSAL

texto transversal

ULTRAPASSANDO A BARREIRA DE SOM DA POESIA

ULTRAPASSANDO A BARREIRA DE SOM DA POESIA

foto de Pedro Carvalho / Ortigosa, Julho de 2008

II série - photoetry .1


fotografia de al magnus
poema ,manipulação e edição - gabriela r martins.
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Dia 5, o povo vai a votos!
O homem precisa de ser abraçado’, diz-nos um ex-combatente na província do Huambo, em Angola. Que este grito ecoe pelas cidades, savanas, e pelos sítios mais recônditos, nesse dia e nos dias seguintes... Que este país venha a ser o que nunca foi: um mar de paz e de liberdade.


mariagomes
quando em mim nada houver, imaginai o incenso nu;

a intensidade de um violino a ouvir o sol
na cidade azul dos homens que, como nós, são de corda.

imaginai, meus filhos, o retorno -
uma festa cada vez mais inacessível, alucinada pelo ouro
do ritual da tempestade.

no fim, vivendo uma pedra branca, branca.

mariagomes
23.nov.2005